sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Considerações para uma ontologia do medo/angustia



Quem não tem medo da vida, não tem medo da morte. Schopenhauer

Neste ensaio, darei continuidade ao trabalho de sistematização filosófica que venho realizando nesse Blog. No texto anterior (1), a partir de uma leitura existencial das origens dos seres, categorizei três importantes conceitos: Vida, Existência e Essência. Esses que buscaram sintetizar dialeticamente algumas noções e aspectos teóricos sobre o naturalismo de Charles Darwin, a ontologia de Schopenhauer, a Psicanálise de Freud e o existencialismo de Nietzsche, Heidegger e Sartre.
Do diálogo com Darwin e Schopenhauer, pude conceituar Vida como: matéria animada que possui leis rígidas, cuja determinação se dá pela Vontade Biológica que, interagindo com o meio ambiente e sua seleção natural, tem como finalidade a conservação de si própria, ou seja, das diversas espécies (vegetais, animais fungos, etc). Essa Vontade Biológica é parte de uma força maior, conceituada no trabalho como Vontade Geral. Essa última, em sua maior parte, permanece indeterminada, devido ao desconhecimento humano de sua epistemologia. O que sabemos dessa força até agora se resume a criatividade artística dos filósofos, cientistas e místicos religiosos.
As ciências -exatas- compreendem a Vontade Geral como uma energia universal cosmológica que pode ser, em parte, apreendida por seus recursos tecnológicos (telescópios, tubos de ensaios, aceleradores de partículas etc), e especulada por suas teorias matemáticas. Essa Vontade Geral é nocional e matematicamente compreendida pelas ciências como o impulso compositor do universo. A filosofia e as ciências humanas, através de seus conceitos, tentam apreender a lógica dessa Vontade Geral também via especulação, se centrando no mundo humano. A mística religiosa, por sua vez, entende essa como manifestação de Deus (es), ser(es) divino(s) que seria(m) o(s) criador(es) do mundo, do universo/cosmo. Em todas essas maneiras de conhecer e de representar o conhecimento está inclusa uma lógica antropocêntrica da qual não se é possível fugir, embora a mística religiosa negue essa proposição.
Qualquer conhecimento, produzido pela subjetividade humana em suas experiências no-mundo-no-tempo-com-os-outros, tem como parâmetro apriorístico uma demanda vital e existencial. Tal demanda tem como meta a conservação da vida e da existência. Da vida em sua conjuntura biológica genérica: a conservação da espécie humana. Da existência, em sua especificidade subjetiva e social: a conservação da subjetividade particular do indivíduo em sua temporalidade atual, e a conservação dos diversos grupos sociais em sua estruturação histórica.
Do diálogo com Freud e a psicanálise, pude conceituar a especificidade humana da vontade de vida schopenhaueriana - a Vontade biológica – compreendida e horizontalizada por Freud no conceito de pulsão (vida e morte). Através desse, Freud buscou representar a estrutura e o funcionamento da vontade de vida, levado ao campo da subjetividade ou personalidade humana, tendo a sexualidade, o inconsciente e a psicopatologia como categorias explicativas. Em Freud, a sexualidade é a lei geral da atividade humana. E essa lei opera segundo o princípio do prazer/desprazer. Freud expande a lente sobre a subjetividade/personalidade humana, e explica suas especificidades.
Do diálogo com o existencialismo de Nietzsche, Heidegger e Sartre, pude apreender a noção de existência em sua particularidade humanista. Embora Nietzsche, em grande parte de sua obra, utilize o termo “vida”, acredito que esse, por adentrar a especificidade da subjetividade humana, pode ser também entendido como existência. Na verdade, o pensamento de Nietzsche, situado numa visão de homem e mundo irracionalista, marca a transição do pessimismo romântico schopenhaueriano para a transvalorização dos valores, edificando o conceito de vontade de poder. Essa transição é mediada por uma cosmovisão naturalista radical, que tem como parâmetro crítico o retorno à natureza, ao instinto criador.
Em Nietzsche, pude compreender que a Vida antecede a existência e essência, complementando a lógica existencialista de Heidegger e Sartre.
Nesse sentido, considero que sim, a existência precede a essência, pois primeiro o homem existe, se descobre e surge no-mundo-no-tempo-como-os-outros para só depois definir criativamente o seu sentido existencial (essência). Porém esse homem é, acima de tudo, um ser vivo que possui um organismo pré-determinado pela natureza bruta que lhe conferiu essa possibilidade. Essa determinação pré-existencial não pode ser pensada e representada em termos de experiência, mas enquanto categoria a priori. A vida representa essa categoria que se faz existência no processo de subjetivação do homem que se dá em um mundo, num tempo com seus semelhantes.
Para compreender integralmente a humanidade e seu processo histórico-existencial, libertando-a dos equívocos, é necessário pensar acerca da natureza e como esta se relaciona com a vida e posteriormente com a existência. Nesse sentido, evoco aqui, novamente, a ideia irracionalista do “retorno à natureza”.
A ideia/noção “retorno à natureza”, oriunda dos filósofos irracionalistas, do qual Rousseau é um dos principais percursores, denunciou um dos principais equívocos do iluminismo e posteriormente do positivismo: a crença na supremacia da razão, enquanto domínio humano. Essa última, sempre ligada ao instinto e a pulsão, não é de modo algum absoluta, tal como acreditavam os iluministas e positivistas. A razão trabalha, num primeiro momento, a serviço da vida, na sua conservação, resolvendo os problemas que ameaçam a sobrevivência do organismo humano particular e sua comunidade circundante. Por exemplo: construir uma casa corresponde a uma demanda vital, pois o homem-sujeito, usando de sua inteligência, a constrói para proteger a si mesmo e os seus dos perigos ambientais. Assim, o que está detrás dessa inteligência/razão é o instinto de sobrevivência, operado pelo medo do aniquilamento.
 Num segundo momento, tendo resolvido a problemática da sobrevivência, a razão passa a trabalhar a favor da existência humana, através da pulsão existencial, produzindo “sentidos” para tamponar o vazio existencial. Esse último, como tenho teorizado, representa um dos principais efeitos da evolução humana: a total “falta” de sentido. Isso é um problema que ameaça a existência, convocando-a a operar na composição do sentido.
O organismo humano que, anteriormente inexistia enquanto ser, no processo de evolução biológica, desenvolve sua pulsão existencial a partir do instinto de sobrevivência. A pulsão existencial produz no homem o vazio, que é uma noção intuitiva de sua situação mortal. Para superar tal condição, o ser humano cria intuitivamente o sentido existencial (essência). Um exemplo de sentido existencial são os arquétipos, contidos em pinturas rupestres, vasos e demais adornos ancestrais. Essas representações simbólicas foram criadas pela intuição humana ancestral para resolver a problemática das origens e finalidades dos seres. Os homens da caverna criaram seus primeiros símbolos para aliviar a angustia, produzida pela pulsão existencial que adquiriu forma em seus imaginários. É justamente o medo de desaparecer enquanto ser que leva o homem ao ato da criação.
Como se percebe: tanto no campo da vida, como no da existência, o medo está presente, dinamizando a atividade biológica e existencial dos seres!
No campo da vida, ele é o mecanismo fundamental da vontade de vida que, como já disse, tem como objetivo a perpetuação orgânica da espécie. O medo biológico é característica dinâmica de todos os animais. Representa o sinal de alerta do organismo diante de situações que podem ameaçá-lo mortalmente. O medo é a defesa natural contra a antecipação da morte. Nesse sentido, pode-se afirmar que o mesmo encontra-se sempre relacionado à morte, sendo medo da morte. O medo é a força motriz da atividade dos seres vivos que se relaciona com o meio ambiente.
No campo da existência, o medo da morte encontra-se relacionado à pulsão existencial que se configura na subjetividade do sujeito particular. Conceituo como angustia, a conversão intuitivo-consciente do medo biológico (medo da morte), levado ao campo da subjetividade. É somente por meio dessa última que o medo adquire um caráter existencial, propriamente dito.
Primeiramente, vem o aparecimento do ser, por meio da evolução bio-ontológica do organismo humano – dos impulsos inconscientes para consciência intuitiva. A partir dessa evolução, o instinto de conservação da espécie transita para a pulsão existencial, se particularizando na também emergente subjetividade. Assim, o medo biológico se converte em angustia, essa que representa o sinal de alerta da existência, tal como o medo representa o sinal de alerta da vida. Esse sinal de alerta, bem desenvolvido conceitualmente pelo filósofo Kierkegaard, move o homem, justamente porque se faz um necessário existencial, assim como o instinto da fome se faz um necessário vital. Representa uma reação intuitiva e pulsional a total falta de sentido da existência.
A angustia, também entendida como medo existencial, ativa a criatividade humana que sintetiza os reflexos perceptivos do mundo externo no imaginário do sujeito, então existente. Essa síntese é externada artisticamente no mundo externo como Arte, compondo assim a essência, a resposta humana contra a ameaça do desaparecimento existencial.
É contra o desaparecimento do ser que trabalha a pulsão existencial, tendo como princípio motor a angustia. Para compreender o processo histórico existencial do homem é necessário compreender a angustia, o medo da morte evoluído ao plano ontológico. E para isso – volto a dizer – é necessário efetuar o retorno à natureza, nunca a separando da existência e suas propriedades ontológicas. Assim, acredito, que podemos efetuar uma busca autêntica pelas raízes das diversas culturas humanas, assumindo um compromisso ético com a verdade que é humana e criativamente construída.                 

Referências bibliográficas
    
DARWIN, C. A origem das espécies. Lelo & Irmão, 2005.

FREUD, S. Formulações sobre os dois princípios do acontecer psíquico. Escritos sobre a psicologia do inconsciente, 1. Ed. Imago, 2004.

FREUD, S. Pulsões e destinos da pulsão. Obras Psicológicas de Sigmund Freud, 133-173. Ed. Imago, 2004

FREUD, S. Além do princípio do prazer. Obras Psicológicas de Sigmund Freud. Ed. Imago, 2004.

HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Petrópolis, Ed. Vozes, 2008.

NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra. Ed Martin Claret, 2002.

KIERKEGAARD, S. O Desespero Humano Ed. Martin Claret, 2001.

SARTRE. J. P. O Ser e o Nada. Petrópolis. Ed. Vozes, 2007.

SCHOPENHAUER, Arthur. Metafisica do belo. Ed. Unesco, 1998.

SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação. Ed. Contraponto, 2001.

2 comentários:

  1. gostei muito alvinan, voce categoriza os conceitos, de forma organizada, acho que tudo começa na materia, na natureza, diferente dos religiosos, que acredita que tudo que sentimos e criamos sao de nossa condiçao espiritual, ao contrario, a vida biologica de sua necessidade de se perpetuar, deu condiçoes de sorte de loteria, pra ter existencia, num processo de evoluçao, pois temos um cerebro, pulsoes que tornou impossivel o homem fugir da sua condeçao de existencia, conciencia traz angustia pelo saber de suas limitaçoes, a morte, esse objetivo de preservaçao da especie, o instinto é passado pra nos, atravez de todos os nossos antepassados, condiçao existencial é uma extensao da natureza, atravez da criatividade ela deram possibilidades de superar a mesma. a preservaçao da especie está nos individuos, mas a preservaçao do individuo tambem se torna objetivo nele mesmo, atravez de sua subjetividade.

    ResponderExcluir