Quem não tem medo da vida, não tem
medo da morte. Schopenhauer
Neste ensaio, darei
continuidade ao trabalho de sistematização filosófica que venho realizando
nesse Blog. No texto anterior (1), a partir de uma leitura existencial das origens
dos seres, categorizei três importantes conceitos: Vida, Existência e Essência.
Esses que buscaram sintetizar dialeticamente algumas noções e aspectos teóricos
sobre o naturalismo de Charles Darwin, a ontologia de Schopenhauer, a Psicanálise
de Freud e o existencialismo de Nietzsche, Heidegger e Sartre.
Do diálogo com Darwin e
Schopenhauer, pude conceituar Vida como: matéria animada que possui leis
rígidas, cuja determinação se dá pela Vontade Biológica que, interagindo com o
meio ambiente e sua seleção natural, tem como finalidade a conservação de si própria,
ou seja, das diversas espécies (vegetais, animais fungos, etc). Essa Vontade
Biológica é parte de uma força maior, conceituada no trabalho como Vontade Geral. Essa última, em sua maior parte, permanece indeterminada, devido ao
desconhecimento humano de sua epistemologia. O que sabemos dessa força até
agora se resume a criatividade artística dos filósofos, cientistas e místicos
religiosos.
As ciências -exatas-
compreendem a Vontade Geral como uma energia universal cosmológica que pode ser, em parte, apreendida por seus recursos tecnológicos (telescópios, tubos de ensaios,
aceleradores de partículas etc), e especulada por suas teorias matemáticas.
Essa Vontade Geral é nocional e matematicamente compreendida pelas ciências como o impulso
compositor do universo. A filosofia e as ciências humanas, através de seus conceitos,
tentam apreender a lógica dessa Vontade Geral também via especulação, se
centrando no mundo humano. A mística religiosa, por sua vez, entende essa como
manifestação de Deus (es), ser(es) divino(s) que seria(m) o(s) criador(es) do mundo, do universo/cosmo. Em todas essas maneiras de conhecer e de representar
o conhecimento está inclusa uma lógica antropocêntrica da qual não se é
possível fugir, embora a mística religiosa negue essa proposição.
Qualquer conhecimento,
produzido pela subjetividade humana em suas experiências no-mundo-no-tempo-com-os-outros,
tem como parâmetro apriorístico uma demanda vital e existencial. Tal demanda
tem como meta a conservação da vida e da existência. Da vida em sua conjuntura
biológica genérica: a conservação da espécie humana. Da existência, em sua
especificidade subjetiva e social: a conservação da subjetividade particular do
indivíduo em sua temporalidade atual, e a conservação dos diversos
grupos sociais em sua estruturação histórica.
Do diálogo com Freud e
a psicanálise, pude conceituar a especificidade humana da vontade de vida schopenhaueriana - a Vontade biológica – compreendida e horizontalizada por Freud no conceito de
pulsão (vida e morte). Através desse, Freud buscou representar a estrutura e o
funcionamento da vontade de vida, levado ao campo da subjetividade ou
personalidade humana, tendo a sexualidade, o inconsciente e a psicopatologia
como categorias explicativas. Em Freud, a sexualidade é a lei geral da
atividade humana. E essa lei opera segundo o princípio do prazer/desprazer. Freud
expande a lente sobre a subjetividade/personalidade humana, e explica suas
especificidades.
Do diálogo com o
existencialismo de Nietzsche, Heidegger e Sartre, pude apreender a noção de
existência em sua particularidade humanista. Embora Nietzsche, em grande parte
de sua obra, utilize o termo “vida”, acredito que esse, por adentrar a
especificidade da subjetividade humana, pode ser também entendido como
existência. Na verdade, o pensamento de Nietzsche, situado numa visão de homem
e mundo irracionalista, marca a transição do pessimismo romântico schopenhaueriano
para a transvalorização dos valores, edificando o conceito de vontade de poder.
Essa transição é mediada por uma cosmovisão naturalista radical, que tem como
parâmetro crítico o retorno à natureza, ao instinto criador.
Em Nietzsche, pude
compreender que a Vida antecede a existência e essência, complementando a
lógica existencialista de Heidegger e Sartre.
Nesse sentido,
considero que sim, a existência precede a essência, pois primeiro o homem
existe, se descobre e surge no-mundo-no-tempo-como-os-outros para só depois
definir criativamente o seu sentido existencial (essência). Porém esse homem é,
acima de tudo, um ser vivo que possui um organismo pré-determinado pela
natureza bruta que lhe conferiu essa possibilidade. Essa determinação
pré-existencial não pode ser pensada e representada em termos de experiência,
mas enquanto categoria a priori. A vida representa essa categoria que se faz
existência no processo de subjetivação do homem que se dá em um mundo, num
tempo com seus semelhantes.
Para compreender
integralmente a humanidade e seu processo histórico-existencial, libertando-a
dos equívocos, é necessário pensar acerca da natureza e como esta se relaciona
com a vida e posteriormente com a existência. Nesse sentido, evoco aqui,
novamente, a ideia irracionalista do “retorno à natureza”.
A ideia/noção “retorno
à natureza”, oriunda dos filósofos irracionalistas, do qual Rousseau é um dos
principais percursores, denunciou um dos principais equívocos do iluminismo e
posteriormente do positivismo: a crença na supremacia da razão, enquanto
domínio humano. Essa última, sempre ligada ao instinto e a pulsão, não é de
modo algum absoluta, tal como acreditavam os iluministas e positivistas. A
razão trabalha, num primeiro momento, a serviço da vida, na sua conservação,
resolvendo os problemas que ameaçam a sobrevivência do organismo humano
particular e sua comunidade circundante. Por exemplo: construir uma casa
corresponde a uma demanda vital, pois o homem-sujeito, usando de sua
inteligência, a constrói para proteger a si mesmo e os seus dos perigos
ambientais. Assim, o que está detrás dessa inteligência/razão é o instinto de
sobrevivência, operado pelo medo do aniquilamento.
Num segundo momento, tendo resolvido a
problemática da sobrevivência, a razão passa a trabalhar a favor da existência
humana, através da pulsão existencial, produzindo “sentidos” para tamponar o
vazio existencial. Esse último, como tenho teorizado, representa um dos
principais efeitos da evolução humana: a total “falta” de sentido. Isso é um problema
que ameaça a existência, convocando-a a operar na composição do sentido.
O organismo humano que,
anteriormente inexistia enquanto ser, no processo de evolução biológica,
desenvolve sua pulsão existencial a partir do instinto de sobrevivência. A
pulsão existencial produz no homem o vazio, que é uma noção intuitiva de sua
situação mortal. Para superar tal condição, o ser humano cria intuitivamente o
sentido existencial (essência). Um exemplo de sentido existencial são os
arquétipos, contidos em pinturas rupestres, vasos e demais adornos ancestrais.
Essas representações simbólicas foram criadas pela intuição humana ancestral
para resolver a problemática das origens e finalidades dos seres. Os homens da
caverna criaram seus primeiros símbolos para aliviar a angustia, produzida pela
pulsão existencial que adquiriu forma em seus imaginários. É justamente o medo
de desaparecer enquanto ser que leva o homem ao ato da criação.
Como se percebe: tanto
no campo da vida, como no da existência, o medo está presente, dinamizando a
atividade biológica e existencial dos seres!
No campo da vida, ele é
o mecanismo fundamental da vontade de vida que, como já disse, tem como objetivo
a perpetuação orgânica da espécie. O medo biológico é característica dinâmica
de todos os animais. Representa o sinal de alerta do organismo diante de
situações que podem ameaçá-lo mortalmente. O medo é a defesa natural contra a
antecipação da morte. Nesse sentido, pode-se afirmar que o mesmo encontra-se
sempre relacionado à morte, sendo medo da morte. O medo é a força motriz da atividade
dos seres vivos que se relaciona com o meio ambiente.
No campo da existência,
o medo da morte encontra-se relacionado à pulsão existencial que se configura
na subjetividade do sujeito particular. Conceituo como angustia, a conversão
intuitivo-consciente do medo biológico (medo da morte), levado ao campo da
subjetividade. É somente por meio dessa última que o medo adquire um caráter
existencial, propriamente dito.
Primeiramente, vem o
aparecimento do ser, por meio da evolução bio-ontológica do organismo humano – dos
impulsos inconscientes para consciência intuitiva. A partir dessa evolução, o
instinto de conservação da espécie transita para a pulsão existencial, se
particularizando na também emergente subjetividade. Assim, o medo biológico se
converte em angustia, essa que representa o sinal de alerta da existência, tal
como o medo representa o sinal de alerta da vida. Esse sinal de alerta, bem
desenvolvido conceitualmente pelo filósofo Kierkegaard, move o homem,
justamente porque se faz um necessário existencial, assim como o instinto da
fome se faz um necessário vital. Representa uma reação intuitiva e pulsional a
total falta de sentido da existência.
A angustia, também
entendida como medo existencial, ativa a criatividade humana que sintetiza os
reflexos perceptivos do mundo externo no imaginário do sujeito, então
existente. Essa síntese é externada artisticamente no mundo externo como Arte,
compondo assim a essência, a resposta humana contra a ameaça do desaparecimento
existencial.
É contra o
desaparecimento do ser que trabalha a pulsão existencial, tendo como princípio
motor a angustia. Para compreender o processo histórico existencial do homem é
necessário compreender a angustia, o medo da morte evoluído ao plano ontológico.
E para isso – volto a dizer – é necessário efetuar o retorno à natureza, nunca
a separando da existência e suas propriedades ontológicas. Assim, acredito, que
podemos efetuar uma busca autêntica pelas raízes das diversas culturas humanas,
assumindo um compromisso ético com a verdade que é humana e criativamente
construída.
Referências
bibliográficas
DARWIN, C. A origem das espécies. Lelo
& Irmão, 2005.
FREUD, S. Formulações sobre os dois
princípios do acontecer psíquico. Escritos sobre a psicologia do inconsciente, 1.
Ed. Imago, 2004.
FREUD, S. Pulsões e destinos da pulsão.
Obras Psicológicas de Sigmund Freud, 133-173. Ed. Imago, 2004
FREUD, S. Além do princípio do prazer.
Obras Psicológicas de Sigmund Freud. Ed. Imago, 2004.
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Petrópolis,
Ed. Vozes, 2008.
NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra. Ed Martin Claret, 2002.
KIERKEGAARD, S. O Desespero Humano Ed.
Martin Claret, 2001.
SARTRE. J. P. O Ser e o Nada.
Petrópolis. Ed. Vozes, 2007.
SCHOPENHAUER, Arthur. Metafisica do
belo. Ed. Unesco, 1998.
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como
vontade e representação. Ed. Contraponto, 2001.