Certa vez um filósofo conceituou “arte” como a
manifestação puramente intuitiva, cuja peculiaridade é elevar o
homem acima dos interesses da vontade, o libertando da sofrida busca carnal e
aliviando, no momento da criação e da contemplação, o sofrimento existencial.
Segundo ele, ela é a forma mais verdadeira de compreensão e expressão do
conhecimento humano. Por meio dela se é possível entrar em contato com a
essência objetiva do mundo, transcendendo toda e qualquer determinação
inconsciente correspondente a vontade. Sua conceituação colocou a
arte em uma instancia independente, tratada como a mais importante
fonte de acessibilidade a realidade mundana. Este filósofo foi Arthur
Shopenhauer, e sua compreensão filosófica trouxe uma inestimável contribuição para
estética, área da filosofia que investiga os vários aspectos da manifestação
artística.
SHOPENHAUER,
Arthur. O mundo como vontade e representação. Ed. Contraponto.
Se por um lado ele afirma que estamos condenados a ser um veículo perpetuador
da espécie, fadados a determinações biológicas cujo único objetivo é a
produção de um terceiro, por outro afirma que temos a possibilidade de
proclamar nossa liberdade existencial, esta que só é possível através da
manifestação artística. Neste sentido, a arte é compreendida como a busca
platônica pela “ideia”, sempre associada ao conceito de belo e sublime.
Porém esta “ideia” não é uma simples representação ideal de mundo, é o
próprio mundo em sua mais bela e objetiva forma. A apreensão da ideia,
concebida por uma intuição evidente, torna a realidade humana menos dolorida e
dá cor, tônus e beleza para o ser, revelando a verdade
ontológica.
Nesta perspectiva, o belo, tido como a unidade fundamental da supressão da
vontade, e da elevação da mente sobre o corpo, se torna o objetivo de toda e
qualquer atividade artística, e o sublime o meio para alcançar essa condição
existencial que consiste metaforicamente num voo transcendental sobre o mundo,
as coisas e os outros. Shopenhauer diz que para alcançar o belo em
sua plena legitimidade, é necessário abrir mão de toda ligação com a vontade
corpórea. É preciso abrir mão de toda racionalidade, pois, segundo o filósofo,
até mesmo esta possui uma enraizada ligação com a vontade, que busca a
conservação e manutenção da vida em seus preceitos e conceitos. Ser racional é
descobrir o funcionamento da causalidade e com isso potencializar o instinto, a
vontade de vida. Se a racionalidade está a serviço da vontade, e se esta
vontade é tida como cega, inconsciente e irracional, pode-se deduzir que o
racional é irracional, e neste sentido não pode trazer a verdadeira libertação
existencial.
Em busca dessa libertação, Shopenhauer, em seu livro metafísica do belo, faz
uma criteriosa avaliação do belo nas diferentes manifestações artísticas. Ele
descreve o por que de certas obras de artes mexerem tanto com o espírito
humano, sobrevivendo por séculos! Para o filósofo, as obras que atingem a
essência da humanidade, configuram um grau máximo de intuição se tornando
eternas e inquestionáveis. Ao analisar o que se mostra essencial nas diversas
modalidades de arte, ele considera as particularidades e diferenças entre elas;
porém a essência geral de seu tratado persiste no fato de que para alcançar o
belo é preciso vencer as forças inconscientes correspondentes a natureza
instintiva, e sublimá-las ao mais elevado nível. Para isso somente a intuição,
a compreensão espontânea das representações mundanas, pode ser útil neste
processo, já que todo conhecimento racional se faz servo da vontade. Esta
maneira de conhecer, alcança o conhecimento puro (a priori), e com ele a
autêntica ideia de homem em perfeita comunhão com o mundo, sendo o “todo” e não
uma parte escrava de seu mecanismo controlador: A vontade.
O naturalismo de Schopenhauer é considerado por muitos como pessimista. O
motivo está na descrição filosófica de uma realidade cruel e demasiadamente
dolorosa, porém inerente a natureza humana. Uma realidade que se encontra sobre
o domínio da vontade que promove um impulso orgânico no sujeito, alimentando
uma busca insaciável, raiz de todas as dores. Para Schopenhauer, esta busca
irracional sustenta o niilismo, pois promete uma realização que nunca chega: Um
desejo quando alcançado é substituído por outro, e assim perpetuamente; um
organismo quando já não mais desempenha sua função natural é contemplado com a
morte, tida pelo filósofo como um alívio das dores do mundo; independente, a
vida continua em seu eterno ciclo. Porém não é somente a morte física que
promove ao sujeito o alívio destas dores mundanas. Schopenhauer acredita que a
arte, em sua manifestação estética, pode promover este alívio em um sublime arrebatamento,
sendo a própria morte em vida!
A concepção estética na filosofia shopenhaueriana é um convite a uma avaliação
extrema da realidade. Um convite a uma filosofia corpóreo-transcendental, que
diferente da filosofia kantiana, alcança e compreende a coisa em si; Em
Schopenhauer, vemos uma preocupação em definir filosoficamente o funcionamento
concreto da natureza, porém sua ontologia não se rende a si mesma, questionando
as diversas evidências desta em relação a existência humana. Do questionamento,
surge uma magnânima sistematização e uma reposta positiva da qual podemos
intitular de: A Sublimação da vontade como via de libertação e superação dos
anseios existenciais. Esta sublimação por via transcendental, trás as condições
para uma concepção estético-ontológica que tem como objetivo descrever as mais
elevadas representações do ser; ao mesmo tempo em que produz um sentido
existencial, responsável pelo preenchimento das lacunas formadas pela
explanação do conceito de vontade.
Referências bibliográficas:
SHOPENHAUER, Arthur. Metafisica do belo. Ed. Unesco.
Quanta sabedoria do nosso querido Shopenhauer.
ResponderExcluirMeus parabéns pelo trabalho.
Muito obrigado! Sempre estou postando; quando postar mando pra você. abraço...
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