quinta-feira, 13 de junho de 2013

O CONCEITO E A NOÇÃO DE INCONSCIENTE (por Alvinan Magno)

O conceito de inconsciente representa o ponto de partida da análise psicanalítica; este conceito, assim como o de narcisismo, não obteve a sua primeira formação semântico-etimológica com Freud. As ideias relacionadas a mente inconsciente já foram antes abordadas pela filosofia.
O filósofo alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), através da sua teoria denominada monadologia, acreditava que os fatos mentais, resultantes das mônadas, possuíam diferentes graus de consciência que variavam desde o completamente inconsciente até o claramente consciente. Ele desenvolveu o conceito de apercepção, que representa o encadeamento consciente das chamadas percepções minúsculas. As percepções minúsculas são substâncias atômicas que compõe os diversos elementos, tais como as gotículas de aguas que formam o oceano: O homem só pode perceber o oceano, porque as gotículas (percepções minúsculas) se fazem associadas uma com as outras. Estas percepções só podem ser percebidas conscientemente (apercebidas) quando integradas ou associadas entre si, do contrário fazem-se inconscientes (SCHULTZ D. e SCHULTZ S., p. 347).
Sob a influência de Leibniz, o filósofo Johann Friedrich Herbart (1776-1841) desenvolveu o conceito de “limiar da consciência”, aprofundando o conceito de apercepção. Para este filósofo, também conhecido como fundador da pedagogia acadêmica, as ideias correspondentes ao plano consciente estão acima do limiar, sendo estas compatíveis com a consciência. As ideias que estão abaixo do limiar são consideradas incompatíveis, não podendo coexistir na consciência. Sendo assim, elas são expulsas, tornando-se ideias inibidas (SCHULTZ D. e SCHULTZ S., p. 347 e 348). As ideias inibidas não desaparecem, elas se mantêm ativas no subconsciente, esperando a oportunidade de ascender ao nível consciente (consciência). Quando elas acendem a esse nível, ocorre uma apercepção. Herbart chamou de massa aperceptiva, o conjunto de ideias do consciente que integra as ideias provindas do subconsciente. A teoria da inibição de ideias, colocando-as de forma ativa em um subconsciente, ou seja, abaixo do limiar da consciência, é a mesma aceita pela psicanálise (FREIRE, I p. 66 e 67). Especificadamente, o modelo equacional de Freud, a primeira tópica: inconsciente, pré-consciente e inconsciente tem aqui, na teoria do limiar da consciência, a sua notável influência. Nota-se também a influência de Herbart na teoria freudiana do “recalque”, quando se compara esta com a teoria das ideias inibidas que estão abaixo do limiar da consciência.
Xavier (2009), rescrevendo a história do inconsciente, atribuiu o fenômeno da noção de inconsciente ao zeitgeist (espírito da época) do romantismo, que pendurou do final do século XVIII até meados do século XIX. Segundo o autor, o romantismo, traduzido na personalidade de filósofos como Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), foi o grande responsável pela mudança de paradigma filosófico que fez com que o homem, desencantado pela razão iluminista, se relacionasse novamente com a natureza. Desta relação, surgiu o questionamento da razão, compreendida anteriormente pelos iluministas como a grande soberana do ser.
O retorno a natureza e o questionamento da razão, propostas pelo romantismo filosófico, deram origem a uma nova classe de filósofos, conhecidos como “irracionalistas”. Os filósofos irracionalistas, dos quais se pode citar: Arthur Shopenhauer, Friedrich Nietzsche, em oposição ao positivismo racionalista, foram responsável por teorizar conceitos que trouxeram as primeiras noções articuladas e claras de inconsciente.
Segundo Roudinesco e Plon (1998, P. 375) o conceito de inconsciente, propriamente dito, foi empregado pela primeira vez em língua inglesa em 1751. O responsável foi o jurista escocês Henry Home Kames (1696-1782), que utilizou o conceito para representar o significado de inconsciência. Para os autores, somente depois este seria vulgarizado na Alemanha, sobe a influência do período romântico, que o definiu como: “um reservatório de imagens mentais, e uma fonte de paixões cujo conteúdo escapa a consciência”.            
É através da influência do romantismo filosófico ou filosofia irracionalista, que surge o primeiro livro a tratar do inconsciente de forma sistemática. O livro “A filosofia do inconsciente” do filósofo alemão Edward Von Hartmann (1846-1906), publicado em 1869, obteve notável aprovação pública, popularizando o conceito de inconsciente. Partindo das ideias de seus antecessores (Hegel, Shopenhauer e Schelling), Hartmann edificou o primeiro sistema filosófico centralizado no conceito de inconsciente. Iniciando sua análise pelos fenômenos orgânicos, ele estabeleceu uma oposição entre duas categorias de instintos: o instinto repulsivo e o instinto empático. O instinto repulsivo representa o medo da morte e a aversão em geral, enquanto que o instinto empático representa o amor materno e o amor sexual. Hartmann acreditava que o inconsciente é atemporal, sendo pertencente a metafísica (PRADO DE OLIVEIRA, L., 2005). Freud guarda esta ultima definição em seu sistema psicológico, utilizando os conceitos de “metapsicologia” e “metapsicológico” para configurar o significado da atemporalidade do inconsciente, ao mesmo que para referir a sua filosofia especulativa. Quanto a teoria dos instintos em Hartmann, percebe-se a sua provável incorporação teórica pela psicanálise, quando comparada com a teoria freudiana das pulsões.
 Durante o zeitgeist do final do século XVIII até a primeira metade do século XIX, a noção de inconsciente recebeu uma significação que escapuliu dos domínios da filosofia e da ciência, se misturando ao misticismo e a arte.
O chamado “mimetismo animal” ou “mesmerismo”, fundado pelo médico alemão Franz Anton Mesmer (1734-1815), inaugurou este período, considerado por alguns autores como período da ignorância e do charlatanismo. Em sua tese de doutorado, Mesmer defendeu que havia uma influência magnética dos planetas sobre o corpo humano, que acabou dando origem a ideia de um “fluído universalmente expandido” que poderia ser transmitido de um organismo para o outro, levando assim a ideia de cura (NEUBERN, M, 2007). Mesmer acreditava que o corpo humano, assim como os imãs na física, era dotado de um funcionamento magnético. Para o médico alemão, que também era artista, o magnetismo além de penetrar em objetos e atuar sobre eles a longa distância, era capaz de controlar e equalizar o nível magnético do corpo humano, podendo assim curar distúrbios nervosos (SCHULTZ D. e SCHULTZ S., 2005, p. 351).        
 O Mesmerismo foi o principal responsável por relacionar a noção de hipnose ao tratamento das doenças mentais. Foi através dele que o médico cirurgião escocês James Braid (1795/1860) desenvolveu o conceito de "neuro-hipnologia", dando credibilidade científica a noção de hipnose (SCHULTZ D. e SCHULTZ S., p. 352). A partir daí, a hipnose ganhou um método e a noção de inconsciente pode ser compreendida como uma instância psicossomática. É pela provável “agnostização” da hipnose, iniciadas por Braid e retomada pelo médico francês Jean Martins Charcot (1825-1893), que a noção de um inconsciente psicossomático provavelmente chegou até Freud.                
O conceito de inconsciente em psicanálise passou a ser significado como:

[...] um lugar desconhecido pela consciência: uma outra cena. Na primeira trópica, [...] trata de uma ou instância ou sistema (Ics) constituídos por conteúdos recalcados que escapam as outras instâncias, o pré-consciente e o consciente (Pcs-Cs). Na segunda trópica, deixa de ser uma instância, passando a servir para qualificar o isso e, em grande parte o eu e o supereu (RUDINESCO, E. e PLON, M., 1998, p. 375).


            Através da história do conceito e da noção de inconsciente, apresentada neste tópico, elaborou-se um panorama das diversas personalidades que precederam a história da Psicanálise, dando a esta material teórico e técnico. Descreveu-se a história do inconsciente, seguindo a teoria personalista, apontando os principais nomes que moveram as grandes transformações histórico-conceituais referentes ao conceito e noção de inconsciente.

Obs: Este artigo é um tópico referente ao segundo capítulo- "As origens histórico-conceituais da Psicanálise sobre o enfoque da teoria personalista"- da monografia- "A psicanálise fenomenológico-existencial: A dialética teórico-conceitual entre Psicanálise e  psicologia fenomenológico-existencial"- de Alvinan Magno.      


FREIRE, Isabel. Raízes da psicologia. Petrópolis, RJ: vozes, 1997.

FREUD, Sigmund. O inconsciente (1915). In: HANNS, Luiz Alberto (Cor.). Obras Psicológicas de Sigmund Freud: Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente, v. 2, Rio de Janeiro: Imago Ed., 2006. p. 13-74.
  
NEUBERN, Maurício. Sobre a condenação do magnetismo animal: revisitando a história da psicologia. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Vol. 23 n. 3, pp. 347-356, Jul-Set 2007.

PRADO de OLIVEIRA, Lupis E. O inconsciente freudiano entre Lou-Andréas Salomé e Victor Tausk. Ágora (Rio de Janeiro) v. VIII n. 2 jul/dez 2005 237-254.

ROUDINESCO, Elizabeth; PLON, Michel. Dicionário de psicanálise/ Elizabeth Roudinesco e Michel Plon; tradução Vera Ribeiro, Lucy Magalhães; supervisão da edição brasilei ra Marco Antônio Coutinho Jorge. – Rio de Janeiro: Zahar, 1998. 

SCHULTZ, Duane P.; SCHULTZ Sydney Ellen. História da psicologia moderna. Tradução da oitava edição norte-americana, capítulo 12 e 13. Cengage Learning, 2005.   

XAVIER, Cesar Rey. A história do inconsciente ou A inconsciência de uma história? Revista da Abordagem Gestáltica – XVI(1): 54-63, jan-jul, 2010.

8 comentários:

  1. Tá e daí? que adianta descobrir algo que não da pra provar e ficar divagando a respeito disso? nada científico...

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  2. Olá Daniel, tudo bem? Muito obrigado por opinar. Daniel, minha concepção de ciência é pouco diferente da sua. Em minha concepção, ciência é tão-somente o método utilizado, através de números e/ou conceitos, para evidenciar os diversos fenômenos da realidade, produzindo condições para a formulação de verdades. Porém essa ciência, isolada da filosofia e da arte, torna-se uma simplória indução cética, que acaba limitando o real potencial criativo do ser humano e assim a produção de sentidos significativos. Da mesma forma, a filosofia se torna uma simples abstração sem a perspectiva de concretização por vias metodológicas, e a arte uma simples intuição, sem a reflexão compreensiva filosófica. É preciso haver uma integração destas formas de conhecimento, do contrário caímos em um reducionismo a tendências ideais e assim consequentemente ao erro. Essa integração deve compreender as cadeias associativas de significados dialéticos correspondentes aos conceitos de Filosofia, ciência e arte. Somente quando assumirmos uma postura abstrato-concreta, totalmente integrada, em relação ao conhecimento, podemos alcançar o autentico potencial criativo humano, para construirmos um mundo cada vez mais consciente.

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  3. Oie Gateennnho!!!
    Sou Gay, muito Gay, e gostaria de me curar com vc!!
    onde fica a sua clínica??
    Ouvi dizer que a sua abordagem "psicanalítica-fenomenológica-existencialista-transcendentalizadora-das-cosmologias-abstracionistas-de-capricórnio-com-ascendência-em-marte-e-Júpiter-e-junguiana da 13ª mandala de Lacan na 4ª casa do paralelepípedo freudiano" é a melhor e cura tudo.
    Cura até pedantismo de 5ª categoria??
    Me ajude... deixe o tel da sua clínica pra contato!!

    bjosss!! Te ligo!!! Coisa fofa!!

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  4. (Risos)Devo admitir que gostei da sátira a respeito do nome da minha monografia. Porém já está ficando sem graça, afinal já é a terceira vez que você a repete! Seja criativo, invente outra! Se for engraçada de verdade, eu irei admitir. Outra coisa: o fato de estar brincando de ser gay, não muda a hipótese de que você em seu âmago realmente seja. Você se defende da realidade, ironizando as coisas fantasiosamente. Foge pro seu mundo infantil, onde elas são mais fáceis e possíveis. Porém este mundo só existe na sua cabeça e não vai lhe ajudar no mundo real. ABRA OS OLHOS, ACORDA!

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  5. Parabéns pelo seu texto, sou amiga da Carla e vi seu link no facebook dela, e adoro psicologia, porém sou da área da Educação, uma coisa me intrigou no título de sua monografia, não sei se em Psicologia as matrizes de conhecimento são iguais para as da Educação, mas sua referência é fenomenológica ou histórico cultural?

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  6. Por exemplo Herbart, trouxe contribuições para a Pedagogia com suas ideias fenomenológicas e outras como vc citou acima, porém dentro da Pedagogia foram ultrapassadas, não esquecidas, e ultrapassadas por ideias mais materialistas como as de Vygotsky, e confesso ficar confusa com suas referências teóricas... Por isso a minha dúvida e pergunta se em Psicologia é igual!

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  7. Olá, obrigado por opinar. Deixa eu tentar responder sua pergunta. O título da minha monografia refere-se ao diálogo (dialética) teórico e conceitual entre duas abordagens do saber psicológico, a Psicanálise e psicologia fenomenológico-existencial (existencialismo e fenomenologia). A psicologia, enquanto ciência (há controvérsias) possui várias abordagens com diversos conceitos, filosofias e métodos, cuja a finalidade é descrever, compreender e/ou explicar o homem e sua relação com os outros e o mundo. Nesse tópico de capítulo, montei um panorama histórico, descrevendo os principais autores que escreveram sobre o conceito e noção de inconsciente, antecedendo Freud. Citei Herbart, pois sua teoria do limiar da consciência antecedeu a teoria do aparelho psíquico e da do recalque de Freud. A referência é puramente histórica conceitual... Respondi?

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