quinta-feira, 21 de novembro de 2013

O reencantamento do mundo pela arte: Esbouço para uma teoria artística da existência (por Alvinan Magno)

                                                                                 És livre, escolhe, ou seja: inventa. (Jean Paul Sartre)
Introdução

Anteriormente, esboçamos uma crítica ao progresso humano, estabelecendo o conceito de “desencantamento total do mundo”, revisando e adaptando o conceito de weber a contemporaneidade. O “desencantamento total do mundo” não pretende ser uma extensão doutrinária do positivismo de Auguste Comte, no qual a ciência assume o papel de precursora no desenvolvimento progressivo da humanidade. Ao contrario, o conceito busca eliminar todo e qualquer “encanto”, ou seja, todas as representações que alimentam as fantasias, ora geradas pelas ideologias, que buscam através do discurso justificar a dominação capitalista, ora geradas pela introjeção de elementos místicos existentes na cultura, que buscam conservar o significante do “sagrado”.  Embora o positivismo desconsidere os mitos e as explicações anímicas a respeito das coisas, ele deposita sobre a ciência uma caracterização correspondente a um sistema religioso, o que pode ser percebido na termologia utilizada por Comte tais como: catecismo positivista, igreja positivista... Além de estabelecer uma justificativa ideológica alimentando a exploração capitalista, o positivismo sacraliza a ciência, e neste sentido, em vez de desencantar, ele reforça duplamente o encantamento, a alienação e o erro.
Com a disseminação histórica do cartesianismo e sua posterior reelaboração pelo hegelianismo e pelo positivismo, houve uma supervalorização do ceticismo cientifico e da crença no progresso. Este ceticismo foi possível graças ao “desencantamento do mundo”, que aproximou o homem do corpo e da matéria. O materialismo racionalista, doutrina ideológica oriunda do iluminismo, quebrou vários mitos e tabus, devolvendo ao homem uma parte de sua potencialidade antropomórfica, antes transferida para entidades supra-terrenas. Porém ele também foi responsável pelo enfraquecimento da arte e do seu poder de expressão. Ao aproximar-se do objeto material na tentativa de quantifica-lo objetivamente, o homem se afasta da subjetividade e da autenticidade, os pré-requisitos essenciais para a produção artística. Daí surge a ciência, uma invenção matematicamente simbólica, que busca padronizar o conhecimento a uma única categoria.
Na idade média, a arte dominava intuitivamente as ações humanas através de seus arquétipos religiosos, produzindo um poderoso efeito estético na cultura. Um exemplo são as belíssimas obras arquitetônicas tais como as gigantescas igrejas góticas, que produziam no espectador um sentimento de pequenez diante da contemplação estética. Este efeito era encantado religiosamente, e se justificava na crença no além-mundo. Na modernidade, tal crença foi ressignificada: na religião pela reforma protestante, nas artes propriamente ditas com o renascimento e na filosofia e na politica com o iluminismo. Porém esta mudança de valores, por mais que tenha sido responsável pelas grandes transformações oriundas do sentido histórico, não refletiram na cultura de modo geral, possivelmente pela grande multidiversidade cultural no qual se encontrava as varias sociedades ocidentais. Mesmo havendo um clima favorável para a consciência de si mesma e do mundo, as diversas culturas escolheram o encanto alienatório para representarem a realidade.
Todo e qualquer encanto é produto de um delírio intuitivo, a mesma forma de produzir conhecimento oriunda da manifestação artística. Se olharmos reflexivamente a história da humanidade, iremos perceber que arte, superstição e religião estão intimamente ligadas, sendo praticamente indissociáveis. E é justamente desta fusão, nunca questionada, que surge o erro que se manteve presente nas ditas representações anímicas da contemporaneidade.
É certo que o conhecimento artístico, dado por via intuitiva, é uma das formas mais primitivas de representação da realidade. A arte sempre esteve presente na humanidade, desde os tempos da pré-historia até a contemporaneidade, sendo uma externação material dos sentimentos e emoções da espécie humana na realidade. Para compreendermos a essência do conhecimento artístico e a sua relação com a mitologia, faz-se necessário compreender a intuição, processo pelo qual se dá a arte.   

A intuição

Como já foi dito: a intuição é uma das formas mais antigas de produção e representação do conhecimento. Trata-se da transposição humana do impulso instintivo para a percepção consciente ou da consciência.
No começo havia o instinto animalesco que operava sobre o organismo em sintonia mecânica com a natureza. Por motivos adaptativos, a possibilidade cognitiva que havia nos primeiros humanóides começou a ser preenchida de experiências. Com este “preenchimento” houve o aparecimento da intuição, a primeira via de acessibilidade ao conhecimento e a consciência. Porém este meio de conhecer, por ser espontâneo e ainda manter um vínculo inconsciente ao instinto, era insuficiente para uma análise abstrata da realidade. Podemos comparar a intuição a uma criança de quatro anos, que já recebeu suas primeiras influências cognitivas do mundo externo, porém ainda não é capaz de abstrair, consciente e reflexivamente, os diversos fenômenos da realidade.
O homem pré-histórico intuitivo não era capaz de capaz de abstrair, isto é refletir o mundo encadeando ideias e formando conceitos. Seu pensamento e linguagem ainda eram muito rudimentares. Porém, ele já começava a tomar pequenos feixes de consciência da sua existência enquanto ser humano no mundo com os outros, saindo de sua primitiva condição animalesca, evoluindo-se. Com o desenvolvimento da consciência intuitiva ocorre o aparecimento existencial do homem! Entretanto, em decorrência deste desenvolvimento consciente surge no homem a “angustia”, a transposição conversiva do medo biológico. Se a intuição, na escala existencial-evolutiva, representa o amadurecimento do organismo inconsciente, a angustia representa o amadurecimento do medo. A angustia é um dos primeiros sentimentos existenciais do homem, e por meio dela foi possível ao homem pré-histórico tomar consciência da sua mortalidade e assim do vazio existencial.
O vazio existencial obrigou o ser humano pré-histórico a buscar um sentido para a então recém chegada “existência”.  E esse sentido foi criado pela intuição, produzindo as primeiras representações “fantasiosas”. Tais representações eram conteúdos das primeiras percepções conscientes.
A intuição não era capaz de perceber racional e reflexivamente o funcionamento da natureza, e teve de criar formas simples, porém organizadas, para acessar e compreender o mundo. A estas formas compreensivas que representam o conhecimento fantasioso, chamamos de “mito”. O mito representa a linguagem do pensamento intuitivo que se organiza no mundo por meio de arquétipos. Os arquétipos são criações intuitivas simbólicas externadas artisticamente na realidade mundana. Um exemplo de arquétipo no cenário pre-histórico são as pinturas rupestres, as estátuas esculturais e os vasos fúnebres; nestes exemplos, se é possível perceber a preocupação do homem das cavernas com essência do ser, que transcende a mera vivência instintiva da necessidade animal, descobrindo a necessidade existencial. Por meio da conceituação e dos exemplos, se  é possível compreender toda engenhosidade da intuição que, para produzir sentido, se utiliza da imaginação,  tampando as lacunas (vazio existencial) do que antes era desconhecido.
A todo este processo de criação intuitiva de significado, chamamos de principio artístico! Este princípio foi o responsável pela criação de todos os símbolos fantásticos e mágicos, que se conservaram historicamente por meio das superstições, fragmentada pela cultura, e por meio dos grandes sistemas religiosos. A ideia de magia, de sobrenatural, e todas as convenções presente nos sistemas religiosos contemporâneo, nada mais são que produtos do imaginário coletivo ancestral que, devido a incapacidade reflexiva, recorreu a intuição. A diferença da intuição do homem das cavernas para o homem contemporâneo apenas consiste na quantidade e qualidade de informações, adquiridas no processo histórico-evolutivo. Enquanto que o homem da caverna, para explicar o fenômeno da existência e inexistência, apenas conseguia formular imaginações supersticiosas, baseadas em suas pouquíssimas experiências conscientes, o homem contemporâneo consegue justificar e até mesmo criar sistemas religiosos carregados de conteúdos imaginativos.
Em geral, pode-se dizer que a intuição foi a responsável pelas primeiras percepções históricas da realidade existente, trazendo simultaneamente a ativação do principio artístico, que produziu todos os significados míticos, mitológicos e estéticos da humanidade. Esses significados- ora conservados e transmitidos historicamente, ora reformulados erroneamente pela intuição- estão presente na contemporaneidade, e necessitam ser revistos a luz de uma nova compreensão, pois se encontram imersos em um conjunto de ideologias que inibem a reflexão autêntica e uma conceituação a altura.    
           
 Princípio artístico, encantamento e desencantamento

O princípio artístico representa a capacidade humana de produzir significados (mitológicos, místicos, estéticos, essenciais), por meio da transformação da natureza original. Trata-se de uma lei ontológica que compreende toda antropologia humana, seja ela qual for. Todas as culturas humanas possuem significados intuitivos, que tem sua origem fundamentada no principio artístico, a força antropomórfica que inconscientemente os produz. Tais significados têm guiado as ações do homem na história, alimentando o eterno ciclo de encantamento. O motivo de tal fenômeno encontra sua compreensão, no que podemos chamar de contradição criatura-criador. O criador, o ser homem, movido por angustias emergenciais, cria intuitivamente significados (criatura) que, não sendo percebidos integral e conscientemente (intuição), voltam para ele como sendo “significados criadores”, inibindo assim a compreensão do princípio artístico. Os significados que na realidade são criaturas, assumem a função de criador, colocando o homem como um mero espectador de sua própria obra de arte, reforçando o encantamento, a submissão ao erro e o encobrimento do principio artístico. As criações culturais anímicas- tidas como fenômenos criadores- tem sua origem nesta contradição.
 Com o desencantamento do mundo- da modernidade- essa via de encantamento começa a ser revista, porém segue dois polos opostos: A ciência, positivista e materialista e a arte moderna, intuitiva e estética. A ciência defende a quantificação do conhecimento, ou seja, sua objetividade, a arte a qualificação, ou seja, sua subjetividade. As duas desenvolveram caminhos extremamente opostos, porém ambas novamente encobriram o principio artístico: o homem foi tirado de seu lugar de criador, e lançado como criatura em um universo de tendências genéricas: sendo escravo da senhora natureza e dependente de ídolos e criações artísticas. O desencantamento do mundo quebrou muitos dos encantamentos históricos, mas não mostrou ao homem seu principio artístico, deixando este para os ídolos de seu tempo. A contradição criador-criatura ainda existe não-superada nos dias de hoje, colocando o homem em uma relação de virtualidade com a realidade.         

O desencantamento total do mundo e o reencantamento do mundo pela arte

Chamou-se de “desencantamento total do mundo” a postura ético-filosófica, que tem como finalidade desmistificar os encantamentos históricos que persistem na contemporaneidade. Assim como o materialismo-histórico, o desencantamento total do mundo se faz uma filosofia humanista e um método de análise das contradições históricas da humanidade, em particular, as contradições entre criador e criatura. Esse método e essa filosofia têm como objeto de estudo a descrição compreensiva do principio artístico, e sua relação com história do homem. Tem como objetivo ampliar a criatividade do ser homem, para que esse retome o seu lugar de criador.  O desencantamento total do mundo corresponde a um niilismo construtivista que visa aniquilar os encantos, falsidades, e as injurias históricas, levantando uma discussão ético-filosófica, tendo o homem em primeiro plano.
O desencantamento total do mundo deve se fazer uma filosofia e um método do ser humano, porém não deve ser uma postura dogmática, tampouco deve se fazer de forma obsessiva e patológica. Este deve pela crítica descrever a inautenticidade artística do ser homem contida na contradição criatura-criador, que inconscientemente faz o homem eternizar os erros do passado. E no final, o desencantamento total do mundo, deve se converter em uma postura criativa: o reencantamento do mundo pela arte. Descobrindo o principio artístico, após a superação da contradição criatura-criador, o homem pode criar autenticamente seu próprio significado, sem que esse seja uma tendência encantada por ídolos ou entidades exteriores, e assim ele pode “reencantar” com uma nova consciência e com os pés centrados no chão.
Reencantamento do mundo pela arte significa retomar conscientemente o princípio artístico e agir criativamente sobre o mundo, compreendendo a si mesmo em relação aos outros e ao mundo. Trata-se de uma postura ativa, que entende a necessidade da criação e da contemplação da beleza artística para o desenvolvimento existencial. Beleza, esta, que sempre existiu na história da humanidade, seja qual significado fosse designado. Porém o que o Reencantamento propõe é um retorno à pura criatividade humana, a um antropomorfismo artístico-existencial livre e esclarecido, que possa assumir e aceitar o ser homem tal como ele está sendo. Deve ser precedido do desencantamento total do mundo, sua condição de existência.
 O reencantamento do mundo pela arte convida o homem a refletir sobre sua existência e a entrar em contato com seu lado artístico, para construir assim seus significados essenciais que possam servir para a compreensão da sua subjetividade, da objetividade das relações humanas e do seu mundo circundante.
     
Referencias bibliográficas

COMTE, AUGUSTE. Curso de filosofia positiva; discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo; catecismo positivista. Nova Cultural, 1988.

VASCONCELOS, Ana. Manual compacto de filosofia. São Paulo: Rideel, 2010

PIERUCCI, Antônio Flávio. desencantamento do mundo, O. Editora 34, 2003.

ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

O CONCEITO DE ANDRAGOGIA E SUA RELAÇÃO COM O ENSINO SUPERIOR

Segundo Goecks (2004), o conceito de andragogia significa tão-somente: educação de adultos. Trata-se de uma ciência educacional que busca compreender o adulto como ente biopsicossocial. Diferente da criança que absorve mais facilmente o conhecimento em uma relação pedagógica, o adulto necessita de uma relação de ensino-aprendizagem que possa desenvolver suas habilidades intelectuais, por meio da vivência, da experimentação. Nesse sentido, pode-se afirmar que a educação pedagógica, oferecida as crianças, não pode cumprir seu papel quando atribuída ao ensino superior. Esta, relacionando-a aos estudos de Piaget, está intimamente ligada ao conhecimento das fases de desenvolvimento biológico e cognitivo da criança. E no adulto, se percebe o encerramento do desenvolvimento biológico e certa maturidade das funções cognitivas básicas, que podemos aqui chamar de “funções superiores”.
As funções superiores necessitam de um método particular para compreendê-las, já que os métodos pedagógicos se mostram insuficientes para tal tarefa. E foi buscando compreender o ensino-aprendizagem do adulto e o desenvolvimento de suas funções superiores que surgiu a ciência andragógica, se diferenciando dos métodos da pedagogia (Goecks, 2004).
O ensino Ensino-aprendizagem do adulto (andragogia)- que normalmente ocorre no ensino superior- se faz pela via da experiência vivida, já que esta é bem menos evidente em jovens e crianças. É característica da aprendizagem do adulto: relacionar o conteúdo lecionado com a própria experiência pessoal, buscando refletir e resolver problemas e tarefas que se confrontam com a sua vida cotidiana. Enquanto que a educação das crianças é centrada na lógica dos conteúdos, a dos adultos é centrada na lógica da problemática, sempre relacionada ao mundo circundante, aquele que se encontra próximo da sua realidade social (Goecks, 2004). O pedagogo Paulo Freire, referiu-se a essa lógica da problemática como educação “dialógica” ou “problematizadora”. Segundo ele, a educação deveria se fazer pela via da comunicação dialógica, sendo o professor um codificador das situações da realidade concreta, trazendo-as ao aluno como problema. O aluno, seguindo essa perspectiva, através da reflexão e do diálogo, buscaria resolver a questão, fazendo de sua aprendizagem uma ação cultural (Freire, 2013).
Quanto à questão da motivação educacional, vale também apontar as diferenças entre pedagogia e andragogia. Enquanto que na primeira a motivação se faz quase sempre relacionada ao meio externo e aos estímulos do professor, na segunda vemos uma motivação voltada para estímulos internos tal como satisfação, a autoestima e a qualidade de vida. Os adultos são mais sensíveis aos estímulos de natureza externa do que as crianças e jovens, porém são guiados por motivos pessoais intrínsecos (Goecks, 2004). A educação do adulto parte do princípio de que ele é um ser autônomo, e que precisa ser orientado e facilitado para que possa se desenvolver profissional e pessoalmente.
Como o ensino superior é geralmente destinado ao ensino-aprendizagem de adultos, é de extrema importância que o professor adentre nos estudos andragógicos para atualizar sua prática didática e metodológica, quebrando os inevitáveis mitos da educação. Quando se compreende cientificamente que o processo de ensino-apredizagem universitário (ensino superior) deve estar sempre em continuo aperfeiçoamento, se evidencia a necessidade do constante estudo sobre o desenvolvimento do adulto.

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


FREIRE, P (2013). Pedagogia do oprimido. 54 ed. Ver. E atual-Rio de Janeiro: Paz e Terra
.
GOECKS, R. (2004). Educação de adultos–uma abordagem andragógica. Disponível: www. Andragogia.com.br. Acesso em, 10(13).





domingo, 1 de setembro de 2013

Filosofia na contemporaneidade (por Alvinan Magno)

Ao fazermos uma análise singular do mundo contemporâneo, sua praticidade mercantil e todas as demais faces do liberalismo econômico, poderíamos simplesmente questionar: Para que serve a filosofia? Ou ainda, qual é sua “função”? Essa questão, sem uma resposta adequada, é a provável responsável pela redução ou até mesmo pelo aniquilamento da disciplina nos ambientes escolares e acadêmicos. Para que possamos formar uma opinião sobre esta questão, faz-se necessário mergulhar compreensivamente em seu significado e história.
O termo "filosofia" tem sua origem no grego "Φιλοσοφία", literalmente amor à sabedoria, sendo inicialmente fundamentado por estes. Embora se possa questionar a existência de evidencias filosóficas nas diversas civilizações religiosas e mitológicas dos diversos povos antecessores, é somente na Grécia que ela adquire rigor antropocêntrico e racionalista, substanciando o termo com uma originalidade nunca antes produzida. As civilizações antigas recorriam à intuição espontânea quase sempre teocêntrica, formando grande parte de seu conhecimento com base em associações mitológicas. A filosofia, por sua vez, recorreu à abstração antropocêntrica, processo pelo qual o conteúdo absorvido (representação) é colocado em evidência pela mente, submetendo-o a uma investigação racional. Tal conteúdo, racionalmente aceito, era sistematizado em teorias, constituindo o saber verdadeiro.
No decorrer dos tempos a filosofia assumiu um compromisso com a verdade, sendo esta produzida por condições sócio-culturais. Tal como é o caso da filosofia medieval (patrística e escolástica), que se fundamentou nos dogmas cristãos-catolicos, sendo a fé (intuição) em Deus a mediadora do conhecimento filosófico. Neste período, as produções filosóficas eram teocêntricas, sendo o homem um mero representante de um poder maior. Com o declínio da igreja católica, e ascensão da ética protestante entre os demais motivos político-culturais, surge o movimento humanista que continuaria o trabalho antropocêntrico dos antigos gregos.
É da filosofia que são oriundas todas as ciências, assim como os diversos conceitos que explicam e compreendem os modos de ser humanos. Quando se recorre a uma investigação reflexiva e abstrata, utilizando da razão para tal fim, não se faz coisa diferente de filosofia. Para falar em metáforas: A filosofia é a mãe de todos os conhecimentos sistemáticos e racionais, e continua sendo a eterna parideira que dá a luz as diversas doutrinas conceituais que, pelo encadeamento do pensamento e da linguagem traduzem a experiência, a condição, a natureza e a realidade humana. Sua essência, mesmo que não seja plenamente simbolizada, está presente em todos os homo sapiens, que não são homens que sabem que sabem por mera convenção. Quando a dúvida e o questionamento entram em cena na mente de um existente, a busca por respostas se faz atuante e com isso se inicia um processo cognoscível, responsável pela produção filosófico-conceitual. Esses, com certeza, são o princípio essencial da filosofia.
Embora o conceito de “filosofia” fosse usado para se referir ao objetivismo filosófico (saber absoluto)- tal como pretendiam os gregos- o termo recebeu, ao longo dos séculos, significações relativas, isto é, idéias baseada em compreensões subjetivas, oriundas da criatividade dos diversos filósofos. Sendo assim, pode-se dizer que existem várias maneiras filosóficas de conceber o homem e a natureza, estas que estão sempre relacionadas ao mecanismo gerenciador de toda filosofia: O principio da abstração racional. A pretensão filosófica de alcançar o saber absoluto, mediada por tal princípio, encontra na subjetividade do sujeito um ambiente criativo que, refletindo o espirito de sua época, dá cor e brilho ao conhecimento, autenticando-o. 
A filosofia, mesmo que não nomeada, está presente em cada homem que um dia resolve questionar. O “filosofar”, o ato de fazer filosofia, representa a atitude critico-ontológica do ser que existe, prensentificando o mundo e produzindo significados cognoscíveis para a compreensão da realidade. Trata-se de uma atitude demasiada humana que diferencia o homem dos demais seres vivos.
A contemporaneidade, como os tempos anteriores, possui muitos equívocos que governam automaticamente a vida dos homens, tais como os impulsos irracionais da psique inconsciente e a alienação ideológica capitalista neoliberal. Tais equívocos são problemas que só adquirem uma forma consciente quando submetidos a associação filosófica que, por meio da reflexão, compreende, conceitua e busca superar racionalmente tais problemas.  Então, respondendo a pergunta do primeiro parágrafo, poderíamos dizer que a filosofia tem como função investigar reflexivamente os diversos problemas da contemporaneidade que ainda se encontram imersos na caverna platônica, gerando mitos ideológicos que alimentam o eterno ciclo de atitudes inconscientes (senso-comum). Os resultados desta investigação têm como finalidade mover a ação transformadora e reguladora dos modos de ser humanos.
A inovação tecnológica, com toda sua praticidade automática, tem afastado o homem da filosofia autêntica, alimentando-o com necessidades mercantis supérfluas. Essa tendência neoliberal, prementemente contemporânea, é a possível responsável pelo total desprezo pela filosofia, que continua restrita aos minoritários centros acadêmicos, cuja grande maioria a reduz a uma mera “história da filosofia”. E hoje, com não se bastasse, os órgãos políticos, reguladores da educação, tiraram-na das grades curriculares! Nas faculdades, a matéria está sendo virtualizada (aulas virtuais), eliminando seu ensino-aprendizagem dialógico, essencialmente necessário.
Se os que reduzem a filosofia a uma mera “história da filosofia colegial” soubessem, humana e conscientemente, o quão importante ela é, não ousariam reduzi-la e tampouco tirá-la das grades curriculares. Mas há naqueles que praticam tal reducionismo uma atitude antidialógica, que – como pensava Paulo Freire- afasta o individuo da conscientização da relação opressor-oprimido; relação que, na contemporaneidade, mas do que nunca, alimenta o ciclo de contradições anti-filosóficas.
É preciso retomar intensivamente o olhar filosófico do homem! Somente assim podemos configurar o autêntico sentido de contemporaneidade! Somente quando refletirmos filosoficamente sobre a nossa a época sob a ótica da crítica, poderemos desenvolver conceitos que, transcendendo meras especulações abstratas, possam trazer revelações existenciais, suficientes para uma transformação concreta da realidade, não sendo somente uma descrição fenomenológica, mas um convite a prática acionária.


Referências bibliográficas

MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Zahar, 2005.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Paz e terra, 2013. 


quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Pobre proletariado (por Alvinan Magno)


Pobre proletariado,
A história o alienou
A viver como um mero incônscio,
Espectador de sua condição

Pobre proletariado,
Sua alma, ela levou
Alimentando-o com falsos discursos,
Ideologias da opressão

A cada possibilidade histórica,
Um sinal de esperança, de transformação
Um engano sempre condicionado
Pelos agentes da dominação

Pobre proletariado, sustentáculo social
Engrenagem trabalhadora,
Pisada e esmagada
Sem consideração

Pobre proletariado,
Sua pobreza é acreditar
No discurso massificante, contraditório
da imposição

Somente com diálogo consciente,
A libertação pode, assim, acontecer
Na práxis coletiva autêntica
O “humanizar” pode, enfim, florescer

Obs: Poesia dedicada a consciência da classe trabalhadora, o alicerce de toda e qualquer organização social. Que, infelizmente, ainda se encontra inconsciente de sua condição histórico-social, alienadas a discursos ideológicos-opressores.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Do vinho pra água ( conto por Alvinan Magno)


Aos trinta e cinco anos de idade, Pedro Martins se encontrava numa situação que a maioria dos brasileiros diria ser “estável”. Era casado com a bela Maria Beduína, tinha dois filhos lindos, a pequena Cristiene de cinco anos de idade e jovem Cristian de sete. Trabalhava de gerente em uma importante empresa da cidade de A..., tendo um salário igual a vinte e cinco mil reais. Possuía também uma microempresa de cosmético, na qual era sócio com a esposa. Ele morava com a família em uma luxuosa residência no centro da cidade, tinha três carros (ambos importados), gozando do conforto e do bem estar. Levava uma vida tranquila: viajava com a família aos finais de semana e sempre estava presente na vida familiar. Entre suas atividades, julgava ter somente um vício: a caça. Herdada do seu pai, a prática dessa dita “arte venatória” atrelava-se aos princípios morais e religiosos de Pedro.
Em toda sua vida, ele sempre foi um fiel seguidor da doutrina cristã, pertencendo à igreja Evangélica. Todas as quartas feiras e sábados, a família martins frequentava a igreja da luz divina, que se situava próximo ao centro da cidade, a aproximadamente duas quadras de sua casa. Pedro era amigo pessoal do pastor Waldemiro que sempre frequentava sua residência. Waldemiro era tido por ele como um fiel companheiro. Quando estava com problemas emocionais ou existenciais, recorria ao pastor que sempre lhe acolhia com um conselho amistoso.
Pedro possuía uma rotina demasiadamente controlada. Era sempre pontual com seus horários, e nunca chegara atrasado a seus compromissos, nem faltara um sequer dia de serviço. Trabalhava das sete da manhã às sete da noite. Em dez anos de trabalho essa foi a sua trajetória. Era sempre muito honesto em tudo que fazia, e sempre comunicava a esposa tudo que lhe ocorria em seu dia. O jantar com filhos era algo sagrado. Às oito horas da noite todos já estavam em casa na mesa a sua espera para iniciarem o jantar. As crianças estudavam numa escola particular, cujo período integral se fazia das oito da manhã às seis da tarde; e a esposa trabalha na loja do meio dia as três. Após o jantar, ele se sentava na enorme varanda para brincar com os filhos, ou jogar videogame. E assim prosseguia da forma mais agradável possível.
Mas o destino não poderia deixá-lo viver assim em um conto de fadas passível e agradável, do contrário não haveria história, mas sim uma descrição comportamental enfadonha e insensível. Pois bem, para que isso não ocorra, deixe-me acrescentar uma dosagem de realidade...
No ano em que a pequena Cristiene fizera sete anos, Pedro começou a ser invadido por uma estranha angustia que nunca havia sentido antes. Era uma sensação desagradavelmente perturbadora. No dia em que esta angustia lhe apertou o peito, ele resolveu relatar a esposa. Os dois já estavam na cama. As crianças estavam dormindo.
- Amor, ultimamente estou me sentido estranho. Como se estivesse faltando algo. Não sei o que é... Tenho você, dois filhos lindos! Nossa situação financeira é estabilizada... Agradeço a Deus todos os dias por tudo! Penso nas pessoas que não tem nem o que comer...
- Querido acalme-se! É somente uma confusão mental. Você está cansado. Descanse e tudo vai passar! Reze comigo e tudo vai voltar ao normal...
Nesta noite, Pedro e sua mulher rezaram dezenas de vezes o “pai nosso” e outras orações prontas da igreja. Mas Pedro não obteve o alívio prometido pela mulher. Ele só conseguiu dormir, pois fora vencido pelo cansaço oracional. No dia seguinte, após o trabalho, foi a igreja da luz divina pagar o dízimo, se aproveitando da ocasião para conversar com o pastor sobre o que estava lhe passando...
Quando chegou à casa de Waldemiro- que era no fundo da igreja- encontrou a residência silenciosa. Era por volta das sete e meia da noite! Antes de apertar a companhia, resolveu certificar se a porta estava trancada. A porta se abriu revelando uma enorme sala de estar. O pastor estava no centro da sala contando dinheiro sobre uma mesinha de vidro. Havia quatro pilhas de aproximadamente 15 centímetros de notas de cem.
- Bom noite, pastor Waldemiro! Vim pagar o dízimo.
- Bom noite, irmão Pedro. Estou aqui contabilizando as contribuições dos nossos fieis. Esse ano vai dar pra fazer muita coisa pra igreja e para a comunidade.
- Aqui está: além dos mil habituais, têm mais quinhentos! Fui promovido este mês, e achei justo repassar para igreja.
Incomodado e envergonhado com a visita inesperada de Pedro, Waldemiro pegou o dinheiro dele e os demais sobre a mesa e colocou no enorme cofre na parede que ficava atrás de um belíssimo quadro de Calvino, engenhosamente pintado à mão. Depois se sentou mais Pedro no sofá. Pedro se esforçava mentalmente para não interpretar a cena que presenciara.
- Como vão as coisas, meu grande amigo?- Disse waldemiro, já preparando uma dosagem de vinho e antes que Pedro respondesse, ele o ofereceu para o amigo contribuinte. - Quer vinho 50 anos? Jesus iria adorar esse vinho.
- Não, obrigado pastor! Gostaria de conversar com o senhor sobre algo que me incomoda.
- Pode falar, estou aqui as suas ordens.
- Pastor, ultimamente, ando tendo sentimentos e emoções estranhas. Ando descontente, como se algo me faltasse. E quando olho pra minha família, pra minha condição, acabo me culpando por estar sentido este vazio.
- Como anda sua relação com Deus? Disse o pastor, desta vez acendendo um charuto cubano.
- Creio que esteja estável. Cumpro a risca cada mandamento da lei sagrada. Rezo todos os dias. E o senhor bem sabe: Vou sempre à igreja e estou sempre em dia com o dízimo.
- Sim, meu amigo, disso bem sei! É um bom fiel- disse o pastor, posteriormente soltando a fumaça deleitosamente. – mas me diga, e como anda a relação com a sua mulher.
- Como assim, pastor?
- Eu digo, na intimidade! Como anda a vida sexual de vocês?
Pedro ficou tremendamente desconfortável com a pergunta de Waldemiro. E com uma postura mecânica e defensiva respondeu:
- Vai muito bem pastor. Maria e eu transamos quatro vezes por semana. Quanto a isso não posso reclamar- disse Pedro.
Waldemiro levantou o sobrolho, apreciou mais um gole de vinho e só depois pronunciou:
- Meu bom amigo Pedro, olhe para sua condição: tem uma mulher linda, dois filhos graciosos; é um homem bem sucedido nos negócios, tem uma casa linda. Eu francamente te invejo muito, Pedro. Não há motivos para isso. Agradeça muito a Jesus Cristo por tudo que tem, e reze, meu irmão, que esse devaneio, essa confusão, irá passar.
Pedro foi embora com aquela angustia ainda mais intensificada. A conversa com o pastor não havia lhe indicado a luz do fim do túnel, como acontecera nas outras vezes; tal conversa apenas escureceu as cavernas do seu coração.
No dia seguinte ao encontro com Waldemiro, Pedro foi trabalhar com um terrível pressentimento. Ao chegar à empresa, presenciou um tumultuo que, nos dez anos de trabalho, nunca havia acontecido. A polícia federal estava ali com um batalhão de homem se mobilizando por todos os cantos da empresa. Ao se informar sobre o que ocorrera, soubera, por um agente da polícia, que a empresa havia sido fechada devido a questões jurídicas. Os donos daquela empresa, tão bem conhecidos por Pedro, estavam sendo indiciados por usarem-na para lavagem de dinheiro, oriundo do tráfico de drogas e pessoas. Pedro foi obrigado a passar por um longo interrogatório. Depois de responder as perguntas da polícia, Pedro foi dispensado, sob o aviso que o contato iria ser mantido. Durante todo interrogatório, ele defendeu a hipótese de um possível engano. Mas esta foi quebrada com as diversas evidências contrárias demostradas pelos agentes. No final, um deles lhe disse:
- Nós temos certeza, senhor Pedro! Como lhe disse, esta investigação vem sendo realizada há três anos. E todas as provas nos levaram a esses burgueses safados. O Juiz já decretou a prisão. Um deles, o tal de “Arlinho Ratoeira ”, já está preso...
Quando saiu da empresa, ele estava bastante perplexo. Não sabia o que fazer. Não havia ainda telefonado para a mulher para lhe comunicar sobre o ocorrido. Resolveu ir à loja de cosmético e avisa-la pessoalmente.
Ao chegar à loja, não encontrou sua mulher. Lá estava somente a sua funcionária “Magali” que lhe informou:
- A senhora Maria Beduína foi pra casa. Disse que tinha de resolver umas coisas. Não disse o que era. O senhor quer que eu ligue pra ela?
- Não, Magali, pode deixar, estou indo pra lá- disse Pedro com o coração pulsando violentamente! Aquele fúnebre sentimento que lhe acompanhara naqueles últimos dias, começara a adquirir uma forma cada vez mais perturbadora. O vazio, que antes sentia, estava sendo preenchido por algo malévolo, inconsciente e aterrador. Sua intuição lhe revelava um futuro catastrófico que ele já não mais podia controlar!
Seguindo tal impulso, ele maquinalmente pegou o carro e se direcionou para casa. Chegando lá, estacionou na calçada e resolveu ir a pé. Abriu o portão com o controle remoto e entrou silenciosamente. A casa possuía três andares, sendo rodeada por uma extensa área de lazer. Quando chegou próximo à piscina, percebeu que havia copos e uma garrafa de bebida sobre uma das várias mesinhas. Ao chegar mais próximo, viu que era uma garrafa de vinho 50 anos. Na sua mente veio a lembrança “Jesus iria adorar esse vinho”, e junto com ela um sentimento odioso. Não pensou duas vezes, correu a passos discretos em direção ao porão, e lá se apossou de uma das suas espingardas de caça, guardada em um enorme cofre. Ele a carregou com dois cartuchos, engatilhando-a. Subsequentemente, empunhou a arma e saiu do porão.
Todas as portas da casa estavam trancadas, e ele teve o mínimo de cuidado para destrancá-las sem produzir barulho. Ao subir as escadas que levavam para o andar dos quartos, Pedro já começara a ouvir o ruído da cama e alguns gemidos, estes que vinham do seu quarto. Próximo a este, no corredor do segundo andar, havia um enorme quadro da passagem bíblica onde Jesus transforma água em vinho, do qual Pedro havia encomendado a um famoso artista da cidade. Ele olhou para a imagem e ficou alguns segundos a pensar, ao som dos estrondosos grunhidos que iam amentando gradativamente. E por fim, balançou a cabeça negativamente. Correu para o quarto, chutou e arrombou a porta, dando consecutivamente dois tiros. O primeiro atingiu as costas de Maria, o segundo a cabeça de Waldemiro. Ambos morreram na hora.
Pedro largou a arma. Naquele momento, sentiu seu ser dominado por uma ausência predominante. Em seu corpo não havia mais vontade, em sua alma havia somente a infeliz consciência de estar vivo. Enquanto descia as escadas, suas memórias iam sendo apagadas e sua existência desaparecendo. Quando sentou na cadeira da mesinha onde estava o vinho, não era mais Pedro, marido, pai de dois filhos, trabalhador, religioso; mas sim uma carcaça existencial, que mal via a hora de desaparecer por completo. Entretanto, um pequeno impulso que ainda o ligava ao mundo carnal lhe fez saborear uma dosagem do vinho 50 anos, antes festejado por Maria e Waldemiro. O gosto era bom, mas isso já não lhe importava mais. Após este ato, Pedro levantou e disse com voz firme, concretizando seu sentimento:
- Minha vida foi água e se transformou em vinho, e novamente em água. – dito isso, se lançou na piscina, deixando a água sufocar seus pulmões.
Nesse mesmo momento, Cristian e Cristiene se abraçavam debaixo de uma árvore na escola. Era a hora da recreação, e eles estavam se reconciliando após uma briga infantil.
- Eu te amo, maninho! Não quero brigar com você mais nunca- disse Cristiene emocionada ao abraçar fortemente o irmão.     

                                                           Fim

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Manifestação (letra de música por Alvinan magno)

  
Nossa causa é uma anti-causa
Um questionamento
Nossa luta é uma anti-pausa
Por movimento

 
Nossa filosofia descantada quer gritar
 Nossos olhos selados querem enxergar
Não acreditamos mais neste sistema
Poder para o povo, esse é nosso lema

 
Vem pra rua, vem, vamos manifestar
   Vem pra rua, vem, vamos revolucionar (2x)

 
 
Trabalhadores, somos a força nacional
Unidos, temos um invencível potencial
 Vamos matar nossos ídolos e ideologias
Nós somos o governo, viva a anarquia!

 
Nós somos os principais agentes 
Da evolução
Nós somos os precedentes
Da revolução

 
Vem pra rua, vem, vamos manifestar
   Vem pra rua, vem, vamos revolucionar (2x)

 
Nossos filhos serão herdeiros
dessa consciência (2x)
Nosso futuro tocará o pandeiro
dessa providência
 
  Obs: Música dedicada ao espírito das manifestações e a vindoura transformação social, oriunda da consciência coletiva.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

O CONCEITO E A NOÇÃO DE INCONSCIENTE (por Alvinan Magno)

O conceito de inconsciente representa o ponto de partida da análise psicanalítica; este conceito, assim como o de narcisismo, não obteve a sua primeira formação semântico-etimológica com Freud. As ideias relacionadas a mente inconsciente já foram antes abordadas pela filosofia.
O filósofo alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), através da sua teoria denominada monadologia, acreditava que os fatos mentais, resultantes das mônadas, possuíam diferentes graus de consciência que variavam desde o completamente inconsciente até o claramente consciente. Ele desenvolveu o conceito de apercepção, que representa o encadeamento consciente das chamadas percepções minúsculas. As percepções minúsculas são substâncias atômicas que compõe os diversos elementos, tais como as gotículas de aguas que formam o oceano: O homem só pode perceber o oceano, porque as gotículas (percepções minúsculas) se fazem associadas uma com as outras. Estas percepções só podem ser percebidas conscientemente (apercebidas) quando integradas ou associadas entre si, do contrário fazem-se inconscientes (SCHULTZ D. e SCHULTZ S., p. 347).
Sob a influência de Leibniz, o filósofo Johann Friedrich Herbart (1776-1841) desenvolveu o conceito de “limiar da consciência”, aprofundando o conceito de apercepção. Para este filósofo, também conhecido como fundador da pedagogia acadêmica, as ideias correspondentes ao plano consciente estão acima do limiar, sendo estas compatíveis com a consciência. As ideias que estão abaixo do limiar são consideradas incompatíveis, não podendo coexistir na consciência. Sendo assim, elas são expulsas, tornando-se ideias inibidas (SCHULTZ D. e SCHULTZ S., p. 347 e 348). As ideias inibidas não desaparecem, elas se mantêm ativas no subconsciente, esperando a oportunidade de ascender ao nível consciente (consciência). Quando elas acendem a esse nível, ocorre uma apercepção. Herbart chamou de massa aperceptiva, o conjunto de ideias do consciente que integra as ideias provindas do subconsciente. A teoria da inibição de ideias, colocando-as de forma ativa em um subconsciente, ou seja, abaixo do limiar da consciência, é a mesma aceita pela psicanálise (FREIRE, I p. 66 e 67). Especificadamente, o modelo equacional de Freud, a primeira tópica: inconsciente, pré-consciente e inconsciente tem aqui, na teoria do limiar da consciência, a sua notável influência. Nota-se também a influência de Herbart na teoria freudiana do “recalque”, quando se compara esta com a teoria das ideias inibidas que estão abaixo do limiar da consciência.
Xavier (2009), rescrevendo a história do inconsciente, atribuiu o fenômeno da noção de inconsciente ao zeitgeist (espírito da época) do romantismo, que pendurou do final do século XVIII até meados do século XIX. Segundo o autor, o romantismo, traduzido na personalidade de filósofos como Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), foi o grande responsável pela mudança de paradigma filosófico que fez com que o homem, desencantado pela razão iluminista, se relacionasse novamente com a natureza. Desta relação, surgiu o questionamento da razão, compreendida anteriormente pelos iluministas como a grande soberana do ser.
O retorno a natureza e o questionamento da razão, propostas pelo romantismo filosófico, deram origem a uma nova classe de filósofos, conhecidos como “irracionalistas”. Os filósofos irracionalistas, dos quais se pode citar: Arthur Shopenhauer, Friedrich Nietzsche, em oposição ao positivismo racionalista, foram responsável por teorizar conceitos que trouxeram as primeiras noções articuladas e claras de inconsciente.
Segundo Roudinesco e Plon (1998, P. 375) o conceito de inconsciente, propriamente dito, foi empregado pela primeira vez em língua inglesa em 1751. O responsável foi o jurista escocês Henry Home Kames (1696-1782), que utilizou o conceito para representar o significado de inconsciência. Para os autores, somente depois este seria vulgarizado na Alemanha, sobe a influência do período romântico, que o definiu como: “um reservatório de imagens mentais, e uma fonte de paixões cujo conteúdo escapa a consciência”.            
É através da influência do romantismo filosófico ou filosofia irracionalista, que surge o primeiro livro a tratar do inconsciente de forma sistemática. O livro “A filosofia do inconsciente” do filósofo alemão Edward Von Hartmann (1846-1906), publicado em 1869, obteve notável aprovação pública, popularizando o conceito de inconsciente. Partindo das ideias de seus antecessores (Hegel, Shopenhauer e Schelling), Hartmann edificou o primeiro sistema filosófico centralizado no conceito de inconsciente. Iniciando sua análise pelos fenômenos orgânicos, ele estabeleceu uma oposição entre duas categorias de instintos: o instinto repulsivo e o instinto empático. O instinto repulsivo representa o medo da morte e a aversão em geral, enquanto que o instinto empático representa o amor materno e o amor sexual. Hartmann acreditava que o inconsciente é atemporal, sendo pertencente a metafísica (PRADO DE OLIVEIRA, L., 2005). Freud guarda esta ultima definição em seu sistema psicológico, utilizando os conceitos de “metapsicologia” e “metapsicológico” para configurar o significado da atemporalidade do inconsciente, ao mesmo que para referir a sua filosofia especulativa. Quanto a teoria dos instintos em Hartmann, percebe-se a sua provável incorporação teórica pela psicanálise, quando comparada com a teoria freudiana das pulsões.
 Durante o zeitgeist do final do século XVIII até a primeira metade do século XIX, a noção de inconsciente recebeu uma significação que escapuliu dos domínios da filosofia e da ciência, se misturando ao misticismo e a arte.
O chamado “mimetismo animal” ou “mesmerismo”, fundado pelo médico alemão Franz Anton Mesmer (1734-1815), inaugurou este período, considerado por alguns autores como período da ignorância e do charlatanismo. Em sua tese de doutorado, Mesmer defendeu que havia uma influência magnética dos planetas sobre o corpo humano, que acabou dando origem a ideia de um “fluído universalmente expandido” que poderia ser transmitido de um organismo para o outro, levando assim a ideia de cura (NEUBERN, M, 2007). Mesmer acreditava que o corpo humano, assim como os imãs na física, era dotado de um funcionamento magnético. Para o médico alemão, que também era artista, o magnetismo além de penetrar em objetos e atuar sobre eles a longa distância, era capaz de controlar e equalizar o nível magnético do corpo humano, podendo assim curar distúrbios nervosos (SCHULTZ D. e SCHULTZ S., 2005, p. 351).        
 O Mesmerismo foi o principal responsável por relacionar a noção de hipnose ao tratamento das doenças mentais. Foi através dele que o médico cirurgião escocês James Braid (1795/1860) desenvolveu o conceito de "neuro-hipnologia", dando credibilidade científica a noção de hipnose (SCHULTZ D. e SCHULTZ S., p. 352). A partir daí, a hipnose ganhou um método e a noção de inconsciente pode ser compreendida como uma instância psicossomática. É pela provável “agnostização” da hipnose, iniciadas por Braid e retomada pelo médico francês Jean Martins Charcot (1825-1893), que a noção de um inconsciente psicossomático provavelmente chegou até Freud.                
O conceito de inconsciente em psicanálise passou a ser significado como:

[...] um lugar desconhecido pela consciência: uma outra cena. Na primeira trópica, [...] trata de uma ou instância ou sistema (Ics) constituídos por conteúdos recalcados que escapam as outras instâncias, o pré-consciente e o consciente (Pcs-Cs). Na segunda trópica, deixa de ser uma instância, passando a servir para qualificar o isso e, em grande parte o eu e o supereu (RUDINESCO, E. e PLON, M., 1998, p. 375).


            Através da história do conceito e da noção de inconsciente, apresentada neste tópico, elaborou-se um panorama das diversas personalidades que precederam a história da Psicanálise, dando a esta material teórico e técnico. Descreveu-se a história do inconsciente, seguindo a teoria personalista, apontando os principais nomes que moveram as grandes transformações histórico-conceituais referentes ao conceito e noção de inconsciente.

Obs: Este artigo é um tópico referente ao segundo capítulo- "As origens histórico-conceituais da Psicanálise sobre o enfoque da teoria personalista"- da monografia- "A psicanálise fenomenológico-existencial: A dialética teórico-conceitual entre Psicanálise e  psicologia fenomenológico-existencial"- de Alvinan Magno.      


FREIRE, Isabel. Raízes da psicologia. Petrópolis, RJ: vozes, 1997.

FREUD, Sigmund. O inconsciente (1915). In: HANNS, Luiz Alberto (Cor.). Obras Psicológicas de Sigmund Freud: Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente, v. 2, Rio de Janeiro: Imago Ed., 2006. p. 13-74.
  
NEUBERN, Maurício. Sobre a condenação do magnetismo animal: revisitando a história da psicologia. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Vol. 23 n. 3, pp. 347-356, Jul-Set 2007.

PRADO de OLIVEIRA, Lupis E. O inconsciente freudiano entre Lou-Andréas Salomé e Victor Tausk. Ágora (Rio de Janeiro) v. VIII n. 2 jul/dez 2005 237-254.

ROUDINESCO, Elizabeth; PLON, Michel. Dicionário de psicanálise/ Elizabeth Roudinesco e Michel Plon; tradução Vera Ribeiro, Lucy Magalhães; supervisão da edição brasilei ra Marco Antônio Coutinho Jorge. – Rio de Janeiro: Zahar, 1998. 

SCHULTZ, Duane P.; SCHULTZ Sydney Ellen. História da psicologia moderna. Tradução da oitava edição norte-americana, capítulo 12 e 13. Cengage Learning, 2005.   

XAVIER, Cesar Rey. A história do inconsciente ou A inconsciência de uma história? Revista da Abordagem Gestáltica – XVI(1): 54-63, jan-jul, 2010.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

A Concepção estética na filosofia de Shopenhauer (por Alvinan Magno)

           Certa vez um filósofo conceituou “arte” como a manifestação puramente intuitiva, cuja peculiaridade é elevar o homem acima dos interesses da vontade, o libertando da sofrida busca carnal e aliviando, no momento da criação e da contemplação, o sofrimento existencial. Segundo ele, ela é a forma mais verdadeira de compreensão e expressão do conhecimento humano. Por meio dela se é possível entrar em contato com a essência objetiva do mundo, transcendendo toda e qualquer determinação inconsciente correspondente a vontade. Sua conceituação colocou a  arte em uma instancia independente, tratada como a mais importante fonte de acessibilidade a realidade mundana. Este filósofo foi Arthur Shopenhauer, e sua compreensão filosófica trouxe uma inestimável contribuição para estética, área da filosofia que investiga os vários aspectos da manifestação artística. 
            Se por um lado ele afirma que estamos condenados a ser um veículo perpetuador da espécie,  fadados a determinações biológicas cujo único objetivo é a produção de um terceiro, por outro afirma que temos a possibilidade de proclamar nossa liberdade existencial, esta que só é possível através da manifestação artística. Neste sentido, a arte é compreendida como a busca platônica pela “ideia”, sempre associada ao conceito de belo e sublime. Porém esta “ideia” não é uma simples representação ideal de mundo, é o próprio mundo em sua mais bela e objetiva forma.  A apreensão da ideia, concebida por uma intuição evidente, torna a realidade humana menos dolorida e dá cor, tônus e beleza para o ser, revelando a verdade ontológica.        
            Nesta perspectiva, o belo, tido como a unidade fundamental da supressão da vontade, e da elevação da mente sobre o corpo, se torna o objetivo de toda e qualquer atividade artística, e o sublime o meio para alcançar essa condição existencial que consiste metaforicamente num voo transcendental sobre o mundo, as coisas e os outros.   Shopenhauer diz que para alcançar o belo em sua plena legitimidade, é necessário abrir mão de toda ligação com a vontade corpórea. É preciso abrir mão de toda racionalidade, pois, segundo o filósofo, até mesmo esta possui uma enraizada ligação com a vontade, que busca a conservação e manutenção da vida em seus preceitos e conceitos. Ser racional é descobrir o funcionamento da causalidade e com isso potencializar o instinto, a vontade de vida. Se a racionalidade está a serviço da vontade, e se esta vontade é tida como cega, inconsciente e irracional, pode-se deduzir que o racional é irracional, e neste sentido não pode trazer a verdadeira libertação existencial.
            Em busca dessa libertação, Shopenhauer, em seu livro metafísica do belo, faz uma criteriosa avaliação do belo nas diferentes manifestações artísticas. Ele descreve o por que de certas obras de artes mexerem tanto com o espírito humano, sobrevivendo por séculos! Para o filósofo, as obras que atingem a essência da humanidade, configuram um grau máximo de intuição se tornando eternas e inquestionáveis. Ao analisar o que se mostra essencial nas diversas modalidades de arte, ele considera as particularidades e diferenças entre elas; porém a essência geral de seu tratado persiste no fato de que para alcançar o belo é preciso vencer as forças inconscientes correspondentes a natureza instintiva, e sublimá-las ao mais elevado nível. Para isso somente a intuição, a compreensão espontânea das representações mundanas, pode ser útil neste processo, já que todo conhecimento racional se faz servo da vontade. Esta maneira de conhecer, alcança o conhecimento puro (a priori), e com ele a autêntica ideia de homem em perfeita comunhão com o mundo, sendo o “todo” e não uma parte escrava de seu mecanismo controlador: A vontade.  
            O naturalismo de Schopenhauer é considerado por muitos como pessimista. O motivo está na descrição filosófica de uma realidade cruel e demasiadamente dolorosa, porém inerente a natureza humana. Uma realidade que se encontra sobre o domínio da vontade que promove um impulso orgânico no sujeito, alimentando uma busca insaciável, raiz de todas as dores. Para Schopenhauer, esta busca irracional sustenta o niilismo, pois promete uma realização que nunca chega: Um desejo quando alcançado é substituído por outro, e assim perpetuamente; um organismo quando já não mais desempenha sua função natural é contemplado com a morte, tida pelo filósofo como um alívio das dores do mundo; independente, a vida continua em seu eterno ciclo. Porém não é somente a morte física que promove ao sujeito o alívio destas dores mundanas. Schopenhauer acredita que a arte, em sua manifestação estética, pode promover este alívio em um sublime arrebatamento, sendo a própria morte em vida!        
            A concepção estética na filosofia shopenhaueriana é um convite a uma avaliação extrema da realidade. Um convite a uma filosofia corpóreo-transcendental, que diferente da filosofia kantiana, alcança e compreende a coisa em si; Em Schopenhauer, vemos uma preocupação em definir filosoficamente o funcionamento concreto da natureza, porém sua ontologia não se rende a si mesma, questionando as diversas evidências desta em relação a existência humana. Do questionamento, surge uma magnânima sistematização e uma reposta positiva da qual podemos intitular de: A Sublimação da vontade como via de libertação e superação dos anseios existenciais. Esta sublimação por via transcendental, trás as condições para uma concepção estético-ontológica que tem como objetivo descrever as mais elevadas representações do ser; ao mesmo tempo em que produz um sentido existencial, responsável pelo preenchimento das lacunas formadas pela explanação do conceito de vontade.                    

Referências bibliográficas:

SHOPENHAUER, Arthur. Metafisica do belo. Ed. Unesco.

SHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação. Ed. Contraponto.