Em seu longo
percurso histórico, o homem, uma vez acreditou estar evoluindo, caminhando rumo
a um futuro cada vez mais progressivo, livre dos preconceitos e das
supersticiosas construções ideológicas. Em sua constante busca pela verdade, a
humanidade acreditou estar se desvinculando dos antigos tabus, que conservavam
culturalmente os erros do passado, mesmo com a constante mudança de paradigma. Mas
será que este homem, esta humanidade, não cometeu um de seus maiores equívocos
ao acreditar em semelhante discurso? Para responder esta pergunta, entendamos o
conceito de “desencantamento do mundo”, proposto pelo sociólogo alemão Max
weber.
Desencantamento do mundo é um termo usado por
weber para configurar historicamente o espirito da modernidade, que, em dado
momento, rompeu com antigas representações “encantadas”. O homem da modernidade é visto pelo sociólogo
como um ser desencantado, que aboliu as concepções e explicações mágicas que,
em tempos anteriores, enfeitiçaram o pensamento humano, influenciando no progresso
científico, no desenvolvimento ético e na criatividade artística. Para weber, o
conhecimento, particularmente valorativo, seria divido em três esferas: a
esfera da ciência e da técnica, a esfera da arte e a esfera da moral. Estas
esferas, que anteriormente estavam unificadas sobre a influência da religião,
começam a perder sua força diante do poderoso ceticismo da época, e assim se
dividem em áreas especificas, desvinculando-se das concepções sobrenaturais. O
mundo, então, deixa de ser encantado e torna-se real, desencantado. A realidade
agora já não pode ser compreendida e explicada por representações fantasiosas, pois
o que está além do homem, não significa que não possa ser alcançado, simplesmente
significa que ainda não foi descoberto. Assim se construiu o pensamento do
homem moderno.
Max weber confere um papel importante para
religião protestante na estruturação histórica do sistema capitalista. Pois é
justamente por esse desencantamento do mundo, por esse afastamento dos valores
cristãos-católicos que dogmatizavam a alma isolando-a do corpo, promovido pela
reforma protestante, que surge uma maior aproximação do homem com a matéria. Essa
aproximação foi possível, pois houve uma suavização da temeridade sociocultural
diante do castigo eterno. A ética protestante
torna-se desencantada, e se fundi ao racionalismo capital. O sentimento de culpa, antes dado pela
inquisição, já não podia afetar o homem moderno, pois houve uma reconfiguração
em seus valores, ou na termologia de Nietzsche, uma “transvalorização dos valores”. Assim o período compreendido como idade moderna, marca uma das grandes
transformações na história da humanidade, possível graças a ética protestante.
Mas será que,
realmente, estas justificativas histórico-sociológicas que weber atribuiu ao
protestantismo não são uma maneira de camuflar a verdade, e até mesmo propor um
merecimento histórico evolutivo ao mesmo? Bem, weber é considerado o fundador
da filosofia social, embora tenha uma enorme contribuição para formação da
sociologia ao lado de: Karl Marx, August Comte, Emile Durkheim... A filosofia
social busca descrever os fatos a procura de certa compreensão. Como Weber,
diferente de Marx, tinha uma postura política direitista, possivelmente esta o
influenciou em sua analise dos fatos. Sendo assim, weber elitiza, e sua
analise da sociedade e da história fica sobre o enfoque ético da burguesia.
Porém não entremos neste assunto. E antes de respondermos a primeira pergunta,
conheçamos outra visão a respeito da reforma protestante, e sua relação com esse tal
“desencantamento do mundo”.
Friedrich
Nietzsche, ao contrário de weber, atribui ao protestantismo um possível malogro
histórico. Para o filosofo, Lutero, seguindo objetivos pessoais, salvou o
cristianismo de seu possível declínio. A igreja católica dos tempos de
pré-reforma já se encontrava fragmentada, mergulhada em seus próprios problemas
sociais. “Morta”, como dizia Nietzsche. E foi Lutero, quem a salvou de seu fim
eminente, ressuscitando-a, e modificando somente o nome. Num período onde o iluminismo já começava a
influenciar o corpus filosófico e o renascimento o corpus artístico, Lutero
chega com uma nova proposta: uma nova igreja cristã, moldada a sua própria
imagem e semelhança, cujo protesto era somente uma forma salvar o cristianismo,
mesmo com algumas ressalvas.
Relacionando a
compreensão de Nietzsche com o desencantamento do mundo weberiano, podemos
supor que a reforma de Lutero apenas acentuou o encantamento, já que o
cristianismo e seus valores mágicos subsistem até os dias de hoje.
Conhecendo o
conceito de “desencantamento do mundo” e suas relações, podemos agora, tentar
responder a questão do primeiro paragrafo:
A crença no progresso, na positividade
histórica, apenas conserva o encanto utópico, tais como as diversas crenças
culturais que carecem de questionamento. Realmente, houve e ainda há
desencantamentos na história da humanidade. Podemos antecipar conceitualmente a
frase de Marx, “a luta entre classes é o motor da história”, dizendo: “o
desencantamento do mundo promove as lutas entre classes”. Destes
desencantamentos históricos é que são oriundas as revoluções culturais. A
busca do homem pela verdade, sempre o leva ao desencantamento, pois este sempre
se deixou seduzir pelo encantamento, pela magia. Porém não podemos dizer que
estes desencantamentos sejam progressivos, afirmar isso seria remontar o
utópico pensamento de Hegel. Sim, o homem cometeu um equivoco ao acreditar
nesse discurso positivista de que a humanidade sempre caminha em direção ao
progresso. A própria ideia de evolução, tão distorcidas por nossos Darwinistas
sociais, já não pode representar senão uma “adaptação” ao contexto. Como pode a humanidade caminhar em direção ao
progresso, se ainda, em seu âmago, ela carrega o fardo de infantis
representações, de encantos históricos eternizados pela cultura?
Atualmente, nos homens e em nossa sociedade,
encontramos vestígios deste “encanto”, ora nos arcaicos sistemas religiosos,
ora nas várias superstições cotidianas transmitidas pela cultura. A crença no
anímico, no mágico, no sobrenatural continua encantando a vida de bilhões de
pessoa. É que Sigmund Freud chamou de principio de prazer. Porém este prazer é
somente uma ilusória representação, pois não tem sua comprovação na realidade.
E o que é pior: as referidas esferas de weber (ciência, arte e ética), ainda
hoje tem dificuldade em se diferenciar da tradição religiosa.
Com a
globalização, temos a impressão de estarmos evoluindo em todas as áreas da
existência. Temos a impressão de estarmos vivendo juntos e unidos numa
grandiosa aldeia global. Mas isso é somente uma impressão vaga e ilusoriamente
alienatória. Vemos nos chamados “sites de relacionamento” a virtualização
encantada das relações sociais, que pela proximidade virtual afasta o individuo
das relações afetivas pessoais. Se o contato de segundo grau, descrito pela
sociologia, são impessoais, ao menos ocorrem na presença de pessoas reais. É possível perceber nos diversos meios de
comunicação, as mais bizarras e chulas representações, que exaltam os impulsos
mais regredidos do homem. A globalização alimenta a disseminação de estereótipos,
que contaminam e desestruturam nossos jovens, lhes prometendo uma identidade
passageira e superficial, lhes roubando a autenticidade. Hoje é possível ver na chamada “cultura pop”,
no desabrochar de uma arte totalmente desprovida de conteúdo e
inteligibilidade, um mundo cada vez mais encantado, um mundo que se esqueceu de
seus problemas mais emergentes, tais como a pobreza e a miséria. É possível ver
na “tendência single”, a fragmentação de uma sociedade que se encanta cada vez
mais pelo capitalismo globalizante. Nunca o fenômeno da “idolatria” foi tão
difundido, quanto nos dias de hoje. As marcas e slogam se tornaram arquétipos,
cada qual com seu significado comercial, que encanta o sujeito e alimenta as
desigualdades sociais. O capitalismo se torna a grande religião, e a oferta e
procura sua bíblia. Os ídolos se tornam seus pastores e padres e a
comercialidade, o único propósito. Estes se mantêm existentes, pois não há uma
postura critica por parte da sociedade, logo não há desencantamento, há somente
o encanto desesperado que se justifica de forma explicitamente superficial, na
lei do mais rico, do mais famoso.
É preciso experimentar o “desencantamento
total do mundo” para se conhecer integralmente a realidade, do contrario fadas
e doentes se farão sempre presentes, e o que é pior: este encanto se
justificará enquanto verdade, confundindo-se com seu principio artístico. É
preciso conhecer o homem contemporâneo que vive este duplo equívoco, de um lado
as superstições geradas pelo conservadorismo histórico e de outro, as
superstições geradas pela emergente comercialidade do ser.
O
“desencantamento total do mundo” não pretende ser somente uma utopia, porém
possivelmente não será alcançado pela massa cultural. Mas pode ser alcançado
por aqueles que querem se tornar cada vez mais conscientes de si mesmos, e do
mundo no qual circundam. Na verdade, ele é um exercício obtido pela critica e
pelo compromisso ético com a verdade. Somente aqueles que estão dispostos a
sofrer para descobrir a realidade, podem realmente compreender o significado de
"desencantamento total do mundo", que é sinônimo de consciência, sinônimo de
liberdade, responsabilidade e realidade, sinônimo da constante busca do homem
por significados autênticos.
Referencias bibliográficas
Weber, Max. A ética protestante e
o espirito do capitalismo, editora Martin Claret.
Nietzsche, Friedrich. O
crepúsculo dos ídolos, editora escala.
Marx, Karl. O manifesto comunista, editora
Martim Claret.
OI meu amor, excelente texto! Muito bem escrito e organizado, compreendi perfeitamente seu ponto de vista e concordo em grande parte. bjos
ResponderExcluirObrigada, amor. Não sei se você leu depois que eu ajustei, mas de qualquer forma muito obrigado... Bem, a filosofia é critica, sempre estará movendo os grande pensamentos humanos...
ExcluirLi agora novamente e não me canso desse texto! Adorei! Você tem me inspirado e me ensinado muito! Admiro a sua capacidade de expressão, de expor seus pensamentos com tanto talento! beijos
ExcluirMeu caro...
ResponderExcluirSe vc não tem vergonha, nós temos #vergonha_alheia por vc!!
Deixa de pedantismo barato e vai estudar!!
Não queira ser o que vc não é!!!
Vc é apenas motivo de chacota nas rede sociais e nos corredores da faculdade!!
#Ficaadica!!!
Pare de postar links pra essas merdas!!
Desconfie!!
Senhor anônimo, sinto cheiro de inveja em seu comentário superficial, provavelmente fruto de uma incapacidade de reflexão e criatividade própria. Na cultura popular, chamamos isso de "dor de cotovelo". Cuidado com o cotovelo, o senhor pode ficar aleijado. Não sei em que mundo vive, mas no mundo das pessoas esclarecidas "chacota" é esse tipo de ideia e/ou sentimento expresso nesse seu comportamento infeliz. Quanto ao significado de "pedantismo":1: ato, dito, procedimento próprio de quem é pedante (Houaiss), gostaria que você conhecesse o segundo significado do termo, oposto ao que você supostamente conhece: Pedante 2 que ou o que se expressa ostentando cultura e erudição (Houaiss). Bem, se isso representa ser pedante, então creio que sou! Como vê, as palavras podem representar vários significados, não sendo limitadas a um único significado. Leve este aprendizado pra sua vida; você não está fadado a ser um ser repulsivo. #ficaadica!!! Boa noite...
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