domingo, 1 de setembro de 2013

Filosofia na contemporaneidade (por Alvinan Magno)

Ao fazermos uma análise singular do mundo contemporâneo, sua praticidade mercantil e todas as demais faces do liberalismo econômico, poderíamos simplesmente questionar: Para que serve a filosofia? Ou ainda, qual é sua “função”? Essa questão, sem uma resposta adequada, é a provável responsável pela redução ou até mesmo pelo aniquilamento da disciplina nos ambientes escolares e acadêmicos. Para que possamos formar uma opinião sobre esta questão, faz-se necessário mergulhar compreensivamente em seu significado e história.
O termo "filosofia" tem sua origem no grego "Φιλοσοφία", literalmente amor à sabedoria, sendo inicialmente fundamentado por estes. Embora se possa questionar a existência de evidencias filosóficas nas diversas civilizações religiosas e mitológicas dos diversos povos antecessores, é somente na Grécia que ela adquire rigor antropocêntrico e racionalista, substanciando o termo com uma originalidade nunca antes produzida. As civilizações antigas recorriam à intuição espontânea quase sempre teocêntrica, formando grande parte de seu conhecimento com base em associações mitológicas. A filosofia, por sua vez, recorreu à abstração antropocêntrica, processo pelo qual o conteúdo absorvido (representação) é colocado em evidência pela mente, submetendo-o a uma investigação racional. Tal conteúdo, racionalmente aceito, era sistematizado em teorias, constituindo o saber verdadeiro.
No decorrer dos tempos a filosofia assumiu um compromisso com a verdade, sendo esta produzida por condições sócio-culturais. Tal como é o caso da filosofia medieval (patrística e escolástica), que se fundamentou nos dogmas cristãos-catolicos, sendo a fé (intuição) em Deus a mediadora do conhecimento filosófico. Neste período, as produções filosóficas eram teocêntricas, sendo o homem um mero representante de um poder maior. Com o declínio da igreja católica, e ascensão da ética protestante entre os demais motivos político-culturais, surge o movimento humanista que continuaria o trabalho antropocêntrico dos antigos gregos.
É da filosofia que são oriundas todas as ciências, assim como os diversos conceitos que explicam e compreendem os modos de ser humanos. Quando se recorre a uma investigação reflexiva e abstrata, utilizando da razão para tal fim, não se faz coisa diferente de filosofia. Para falar em metáforas: A filosofia é a mãe de todos os conhecimentos sistemáticos e racionais, e continua sendo a eterna parideira que dá a luz as diversas doutrinas conceituais que, pelo encadeamento do pensamento e da linguagem traduzem a experiência, a condição, a natureza e a realidade humana. Sua essência, mesmo que não seja plenamente simbolizada, está presente em todos os homo sapiens, que não são homens que sabem que sabem por mera convenção. Quando a dúvida e o questionamento entram em cena na mente de um existente, a busca por respostas se faz atuante e com isso se inicia um processo cognoscível, responsável pela produção filosófico-conceitual. Esses, com certeza, são o princípio essencial da filosofia.
Embora o conceito de “filosofia” fosse usado para se referir ao objetivismo filosófico (saber absoluto)- tal como pretendiam os gregos- o termo recebeu, ao longo dos séculos, significações relativas, isto é, idéias baseada em compreensões subjetivas, oriundas da criatividade dos diversos filósofos. Sendo assim, pode-se dizer que existem várias maneiras filosóficas de conceber o homem e a natureza, estas que estão sempre relacionadas ao mecanismo gerenciador de toda filosofia: O principio da abstração racional. A pretensão filosófica de alcançar o saber absoluto, mediada por tal princípio, encontra na subjetividade do sujeito um ambiente criativo que, refletindo o espirito de sua época, dá cor e brilho ao conhecimento, autenticando-o. 
A filosofia, mesmo que não nomeada, está presente em cada homem que um dia resolve questionar. O “filosofar”, o ato de fazer filosofia, representa a atitude critico-ontológica do ser que existe, prensentificando o mundo e produzindo significados cognoscíveis para a compreensão da realidade. Trata-se de uma atitude demasiada humana que diferencia o homem dos demais seres vivos.
A contemporaneidade, como os tempos anteriores, possui muitos equívocos que governam automaticamente a vida dos homens, tais como os impulsos irracionais da psique inconsciente e a alienação ideológica capitalista neoliberal. Tais equívocos são problemas que só adquirem uma forma consciente quando submetidos a associação filosófica que, por meio da reflexão, compreende, conceitua e busca superar racionalmente tais problemas.  Então, respondendo a pergunta do primeiro parágrafo, poderíamos dizer que a filosofia tem como função investigar reflexivamente os diversos problemas da contemporaneidade que ainda se encontram imersos na caverna platônica, gerando mitos ideológicos que alimentam o eterno ciclo de atitudes inconscientes (senso-comum). Os resultados desta investigação têm como finalidade mover a ação transformadora e reguladora dos modos de ser humanos.
A inovação tecnológica, com toda sua praticidade automática, tem afastado o homem da filosofia autêntica, alimentando-o com necessidades mercantis supérfluas. Essa tendência neoliberal, prementemente contemporânea, é a possível responsável pelo total desprezo pela filosofia, que continua restrita aos minoritários centros acadêmicos, cuja grande maioria a reduz a uma mera “história da filosofia”. E hoje, com não se bastasse, os órgãos políticos, reguladores da educação, tiraram-na das grades curriculares! Nas faculdades, a matéria está sendo virtualizada (aulas virtuais), eliminando seu ensino-aprendizagem dialógico, essencialmente necessário.
Se os que reduzem a filosofia a uma mera “história da filosofia colegial” soubessem, humana e conscientemente, o quão importante ela é, não ousariam reduzi-la e tampouco tirá-la das grades curriculares. Mas há naqueles que praticam tal reducionismo uma atitude antidialógica, que – como pensava Paulo Freire- afasta o individuo da conscientização da relação opressor-oprimido; relação que, na contemporaneidade, mas do que nunca, alimenta o ciclo de contradições anti-filosóficas.
É preciso retomar intensivamente o olhar filosófico do homem! Somente assim podemos configurar o autêntico sentido de contemporaneidade! Somente quando refletirmos filosoficamente sobre a nossa a época sob a ótica da crítica, poderemos desenvolver conceitos que, transcendendo meras especulações abstratas, possam trazer revelações existenciais, suficientes para uma transformação concreta da realidade, não sendo somente uma descrição fenomenológica, mas um convite a prática acionária.


Referências bibliográficas

MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Zahar, 2005.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Paz e terra, 2013.