Ao fazermos uma análise singular do
mundo contemporâneo, sua praticidade mercantil e todas as demais faces do
liberalismo econômico, poderíamos simplesmente questionar: Para que serve a
filosofia? Ou ainda, qual é sua “função”? Essa questão, sem uma resposta
adequada, é a provável responsável pela redução ou até mesmo pelo aniquilamento
da disciplina nos ambientes escolares e acadêmicos. Para que possamos formar
uma opinião sobre esta questão, faz-se necessário mergulhar compreensivamente
em seu significado e história.
O termo "filosofia" tem
sua origem no grego "Φιλοσοφία", literalmente amor à sabedoria,
sendo inicialmente fundamentado por estes. Embora se possa questionar a
existência de evidencias filosóficas nas diversas civilizações religiosas e
mitológicas dos diversos povos antecessores, é somente na Grécia que ela
adquire rigor antropocêntrico e racionalista, substanciando o termo com uma
originalidade nunca antes produzida. As civilizações antigas recorriam à
intuição espontânea quase sempre teocêntrica, formando grande parte de seu
conhecimento com base em associações mitológicas. A filosofia, por sua vez,
recorreu à abstração antropocêntrica, processo pelo qual o conteúdo absorvido
(representação) é colocado em evidência pela mente, submetendo-o a uma
investigação racional. Tal conteúdo, racionalmente aceito, era sistematizado em
teorias, constituindo o saber verdadeiro.
No decorrer dos tempos
a filosofia assumiu um compromisso com a verdade, sendo esta produzida por
condições sócio-culturais. Tal como é o caso da filosofia medieval (patrística
e escolástica), que se fundamentou nos dogmas cristãos-catolicos, sendo a fé
(intuição) em Deus a mediadora do conhecimento filosófico. Neste período, as
produções filosóficas eram teocêntricas, sendo o homem um mero representante de
um poder maior. Com o declínio da igreja católica, e ascensão da ética protestante
entre os demais motivos político-culturais, surge o movimento humanista que
continuaria o trabalho antropocêntrico dos antigos gregos.
É da filosofia que são
oriundas todas as ciências, assim como os diversos conceitos que explicam e
compreendem os modos de ser humanos. Quando se recorre a uma
investigação reflexiva e abstrata, utilizando da razão para tal fim, não se faz
coisa diferente de filosofia. Para falar em metáforas: A filosofia é a mãe de
todos os conhecimentos sistemáticos e racionais, e continua sendo a eterna
parideira que dá a luz as diversas doutrinas conceituais que, pelo encadeamento
do pensamento e da linguagem traduzem a experiência, a condição, a natureza e a
realidade humana. Sua essência, mesmo que não seja plenamente simbolizada, está
presente em todos os homo sapiens, que não são homens que sabem que sabem por
mera convenção. Quando a dúvida e o questionamento entram em cena na mente de
um existente, a busca por respostas se faz atuante e com isso se inicia um
processo cognoscível, responsável pela produção filosófico-conceitual. Esses,
com certeza, são o princípio essencial da filosofia.
Embora o conceito de
“filosofia” fosse usado para se referir ao objetivismo filosófico (saber
absoluto)- tal como pretendiam os gregos- o termo recebeu, ao longo dos
séculos, significações relativas, isto é, idéias baseada em compreensões
subjetivas, oriundas da criatividade dos diversos filósofos. Sendo assim,
pode-se dizer que existem várias maneiras filosóficas de conceber o homem e a
natureza, estas que estão sempre relacionadas ao mecanismo gerenciador de toda
filosofia: O principio da abstração racional. A pretensão filosófica de
alcançar o saber absoluto, mediada por tal princípio, encontra na subjetividade
do sujeito um ambiente criativo que, refletindo o espirito de sua época, dá cor e
brilho ao conhecimento, autenticando-o.
A filosofia, mesmo que
não nomeada, está presente em cada homem que um dia resolve questionar. O
“filosofar”, o ato de fazer filosofia, representa a atitude critico-ontológica
do ser que existe, prensentificando o mundo e produzindo significados
cognoscíveis para a compreensão da realidade. Trata-se de uma atitude demasiada
humana que diferencia o homem dos demais seres vivos.
A contemporaneidade,
como os tempos anteriores, possui muitos equívocos que governam automaticamente
a vida dos homens, tais como os impulsos irracionais da psique inconsciente e a
alienação ideológica capitalista neoliberal. Tais equívocos são problemas que
só adquirem uma forma consciente quando submetidos a associação filosófica que, por meio da reflexão, compreende, conceitua e busca superar racionalmente tais
problemas. Então, respondendo a pergunta do primeiro parágrafo,
poderíamos dizer que a filosofia tem como função investigar reflexivamente os
diversos problemas da contemporaneidade que ainda se encontram imersos na caverna platônica, gerando mitos ideológicos que alimentam o eterno ciclo de
atitudes inconscientes (senso-comum). Os resultados desta investigação têm como
finalidade mover a ação transformadora e reguladora dos modos de ser humanos.
A inovação
tecnológica, com toda sua praticidade automática, tem afastado o homem da filosofia
autêntica, alimentando-o com necessidades mercantis supérfluas. Essa
tendência neoliberal, prementemente contemporânea, é a possível responsável
pelo total desprezo pela filosofia, que continua restrita aos minoritários
centros acadêmicos, cuja grande maioria a reduz a uma mera “história da
filosofia”. E hoje, com não se bastasse, os órgãos políticos, reguladores da
educação, tiraram-na das grades curriculares! Nas faculdades, a matéria está
sendo virtualizada (aulas virtuais), eliminando seu ensino-aprendizagem
dialógico, essencialmente necessário.
Se os que reduzem a
filosofia a uma mera “história da filosofia colegial” soubessem, humana e
conscientemente, o quão importante ela é, não ousariam reduzi-la e tampouco
tirá-la das grades curriculares. Mas há naqueles que praticam tal reducionismo uma atitude
antidialógica, que – como pensava Paulo Freire- afasta o individuo da conscientização
da relação opressor-oprimido; relação que, na contemporaneidade, mas do que
nunca, alimenta o ciclo de contradições anti-filosóficas.
É preciso retomar intensivamente o
olhar filosófico do homem! Somente assim podemos configurar o autêntico sentido
de contemporaneidade! Somente quando refletirmos filosoficamente sobre a nossa
a época sob a ótica da crítica, poderemos desenvolver conceitos que,
transcendendo meras especulações abstratas, possam trazer revelações
existenciais, suficientes para uma transformação concreta da realidade, não
sendo somente uma descrição fenomenológica, mas um convite a prática acionária.
Referências bibliográficas
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da
filosofia. Zahar, 2005.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Paz e terra, 2013.