O conceito de
inconsciente representa o ponto de partida da análise psicanalítica; este
conceito, assim como o de narcisismo, não obteve a sua primeira formação
semântico-etimológica com Freud. As ideias relacionadas a mente inconsciente já
foram antes abordadas pela filosofia.
O filósofo alemão
Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), através da sua teoria denominada
monadologia, acreditava que os fatos mentais, resultantes das mônadas, possuíam
diferentes graus de consciência que variavam desde o completamente inconsciente
até o claramente consciente. Ele desenvolveu o conceito de apercepção, que
representa o encadeamento consciente das chamadas percepções minúsculas. As
percepções minúsculas são substâncias atômicas que compõe os diversos
elementos, tais como as gotículas de aguas que formam o oceano: O homem só pode
perceber o oceano, porque as gotículas (percepções minúsculas) se fazem
associadas uma com as outras. Estas percepções só podem ser percebidas
conscientemente (apercebidas) quando integradas ou associadas entre si, do
contrário fazem-se inconscientes (SCHULTZ D. e SCHULTZ S., p. 347).
Sob a influência de
Leibniz, o filósofo Johann Friedrich Herbart (1776-1841) desenvolveu o conceito
de “limiar da consciência”, aprofundando o conceito de apercepção. Para este
filósofo, também conhecido como fundador da pedagogia acadêmica, as ideias
correspondentes ao plano consciente estão acima do limiar, sendo estas
compatíveis com a consciência. As ideias que estão abaixo do limiar são
consideradas incompatíveis, não podendo coexistir na consciência. Sendo assim,
elas são expulsas, tornando-se ideias inibidas (SCHULTZ D. e SCHULTZ S., p. 347
e 348). As ideias inibidas não desaparecem, elas se mantêm ativas no subconsciente, esperando a oportunidade
de ascender ao nível consciente (consciência). Quando elas acendem a esse
nível, ocorre uma apercepção. Herbart chamou de massa aperceptiva, o conjunto de ideias do consciente que integra
as ideias provindas do subconsciente.
A teoria da inibição de ideias, colocando-as de forma ativa em um
subconsciente, ou seja, abaixo do limiar da consciência, é a mesma aceita pela
psicanálise (FREIRE, I p. 66 e 67). Especificadamente, o modelo equacional de
Freud, a primeira tópica: inconsciente, pré-consciente e inconsciente tem aqui,
na teoria do limiar da consciência, a sua notável influência. Nota-se também a
influência de Herbart na teoria freudiana do “recalque”, quando se compara esta
com a teoria das ideias inibidas que estão abaixo do limiar da consciência.
Xavier (2009),
rescrevendo a história do inconsciente, atribuiu o fenômeno da noção de
inconsciente ao zeitgeist (espírito
da época) do romantismo, que pendurou
do final do século XVIII até meados do século XIX. Segundo o autor, o romantismo, traduzido
na personalidade de filósofos como Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), foi o
grande responsável pela mudança de paradigma filosófico que fez com que o
homem, desencantado pela razão iluminista, se relacionasse novamente com a
natureza. Desta relação, surgiu o questionamento da razão, compreendida
anteriormente pelos iluministas como a grande soberana do ser.
O retorno a natureza e
o questionamento da razão, propostas pelo romantismo filosófico, deram origem a
uma nova classe de filósofos, conhecidos como “irracionalistas”. Os filósofos
irracionalistas, dos quais se pode citar: Arthur Shopenhauer, Friedrich
Nietzsche, em oposição ao positivismo racionalista, foram responsável por teorizar
conceitos que trouxeram as primeiras noções articuladas e claras de
inconsciente.
Segundo Roudinesco e
Plon (1998, P. 375) o conceito de inconsciente, propriamente dito, foi
empregado pela primeira vez em língua inglesa em 1751. O responsável foi o jurista
escocês Henry Home Kames (1696-1782), que utilizou o conceito para representar
o significado de inconsciência. Para os autores, somente depois este seria
vulgarizado na Alemanha, sobe a influência do período romântico, que o definiu
como: “um reservatório de imagens mentais, e uma fonte de paixões cujo conteúdo
escapa a consciência”.
É através da influência
do romantismo filosófico ou filosofia irracionalista, que surge o primeiro
livro a tratar do inconsciente de forma sistemática. O livro “A filosofia do
inconsciente” do filósofo alemão Edward Von Hartmann (1846-1906), publicado em
1869, obteve notável aprovação pública, popularizando o conceito de
inconsciente. Partindo das ideias de seus antecessores (Hegel, Shopenhauer e
Schelling), Hartmann edificou o primeiro sistema filosófico centralizado no
conceito de inconsciente. Iniciando sua análise pelos fenômenos orgânicos, ele
estabeleceu uma oposição entre duas categorias de instintos: o instinto
repulsivo e o instinto empático. O instinto repulsivo representa o medo da
morte e a aversão em geral, enquanto que o instinto empático representa o amor
materno e o amor sexual. Hartmann acreditava que o inconsciente é atemporal,
sendo pertencente a metafísica (PRADO DE OLIVEIRA, L., 2005). Freud guarda esta
ultima definição em seu sistema psicológico, utilizando os conceitos de
“metapsicologia” e “metapsicológico” para configurar o significado da
atemporalidade do inconsciente, ao mesmo que para referir a sua filosofia
especulativa. Quanto a teoria dos instintos em Hartmann, percebe-se a sua
provável incorporação teórica pela psicanálise, quando comparada com a teoria
freudiana das pulsões.
Durante o zeitgeist
do final do século XVIII até a primeira metade do século XIX, a noção de
inconsciente recebeu uma significação que escapuliu dos domínios da filosofia e
da ciência, se misturando ao misticismo e a arte.
O chamado “mimetismo
animal” ou “mesmerismo”, fundado pelo médico alemão Franz Anton Mesmer
(1734-1815), inaugurou este período, considerado por alguns autores como
período da ignorância e do charlatanismo. Em sua tese de doutorado, Mesmer
defendeu que havia uma influência magnética dos planetas sobre o corpo humano,
que acabou dando origem a ideia de um “fluído universalmente expandido” que poderia
ser transmitido de um organismo para o outro, levando assim a ideia de cura (NEUBERN, M, 2007). Mesmer
acreditava que o corpo humano, assim como os imãs na física, era dotado de um
funcionamento magnético. Para o médico alemão, que também era artista, o
magnetismo além de penetrar em objetos e atuar sobre eles a longa distância,
era capaz de controlar e equalizar o nível magnético do corpo humano, podendo
assim curar distúrbios nervosos (SCHULTZ D. e SCHULTZ S., 2005, p. 351).
O Mesmerismo foi o principal responsável por
relacionar a noção de hipnose ao tratamento das doenças mentais. Foi através
dele que o médico cirurgião escocês James Braid (1795/1860) desenvolveu o
conceito de "neuro-hipnologia", dando credibilidade científica a noção de hipnose
(SCHULTZ D. e SCHULTZ S., p. 352). A partir daí, a hipnose ganhou um método e a
noção de inconsciente pode ser compreendida como uma instância psicossomática.
É pela provável “agnostização” da hipnose, iniciadas por Braid e retomada pelo
médico francês Jean Martins Charcot (1825-1893), que a noção de um inconsciente
psicossomático provavelmente chegou até Freud.
O conceito de
inconsciente em psicanálise passou a ser significado como:
[...] um lugar
desconhecido pela consciência: uma outra cena. Na primeira trópica, [...] trata
de uma ou instância ou sistema (Ics) constituídos por conteúdos recalcados que
escapam as outras instâncias, o pré-consciente e o consciente (Pcs-Cs). Na
segunda trópica, deixa de ser uma instância, passando a servir para qualificar
o isso e, em grande parte o eu e o supereu (RUDINESCO, E. e PLON, M., 1998, p. 375).
Através
da história do conceito e da noção de inconsciente, apresentada neste tópico,
elaborou-se um panorama das diversas personalidades que precederam a história
da Psicanálise, dando a esta material teórico e técnico. Descreveu-se a
história do inconsciente, seguindo a teoria personalista, apontando os
principais nomes que moveram as grandes transformações histórico-conceituais
referentes ao conceito e noção de inconsciente.
Obs: Este artigo é um tópico referente ao segundo capítulo- "As origens histórico-conceituais da Psicanálise sobre o enfoque da teoria personalista"- da monografia- "A psicanálise fenomenológico-existencial: A dialética teórico-conceitual entre Psicanálise e psicologia fenomenológico-existencial"- de Alvinan Magno.
FREIRE, Isabel. Raízes da psicologia. Petrópolis, RJ:
vozes, 1997.
FREUD,
Sigmund. O inconsciente (1915). In: HANNS, Luiz Alberto (Cor.). Obras Psicológicas de Sigmund Freud:
Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente, v. 2, Rio de Janeiro: Imago
Ed., 2006. p. 13-74.
NEUBERN, Maurício. Sobre a
condenação do magnetismo animal: revisitando a história da psicologia. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Vol. 23 n. 3, pp. 347-356, Jul-Set 2007.
PRADO de OLIVEIRA, Lupis E. O
inconsciente freudiano entre Lou-Andréas Salomé e Victor Tausk. Ágora (Rio de Janeiro)
v. VIII n. 2 jul/dez 2005 237-254.
ROUDINESCO, Elizabeth;
PLON, Michel. Dicionário de psicanálise/
Elizabeth Roudinesco e Michel Plon;
tradução Vera Ribeiro, Lucy Magalhães; supervisão da edição brasilei ra Marco
Antônio Coutinho Jorge. – Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
SCHULTZ, Duane P.; SCHULTZ Sydney Ellen. História
da psicologia moderna.
Tradução da oitava edição norte-americana, capítulo 12 e 13. Cengage Learning,
2005.
XAVIER,
Cesar Rey. A história do inconsciente ou A inconsciência de uma história? Revista
da Abordagem Gestáltica – XVI(1): 54-63, jan-jul, 2010.