sábado, 5 de maio de 2012

O desencantamento total do mundo (por Alvinan Magno)


Em seu longo percurso histórico, o homem, uma vez acreditou estar evoluindo, caminhando rumo a um futuro cada vez mais progressivo, livre dos preconceitos e das supersticiosas construções ideológicas. Em sua constante busca pela verdade, a humanidade acreditou estar se desvinculando dos antigos tabus, que conservavam culturalmente os erros do passado, mesmo com a constante mudança de paradigma. Mas será que este homem, esta humanidade, não cometeu um de seus maiores equívocos ao acreditar em semelhante discurso? Para responder esta pergunta, entendamos o conceito de “desencantamento do mundo”, proposto pelo sociólogo alemão Max weber.
          Desencantamento do mundo é um termo usado por weber para configurar historicamente o espirito da modernidade, que, em dado momento, rompeu com antigas representações “encantadas”.  O homem da modernidade é visto pelo sociólogo como um ser desencantado, que aboliu as concepções e explicações mágicas que, em tempos anteriores, enfeitiçaram o  pensamento humano, influenciando no progresso científico, no desenvolvimento ético e na criatividade artística. Para weber, o conhecimento, particularmente valorativo, seria divido em três esferas: a esfera da ciência e da técnica, a esfera da arte e a esfera da moral. Estas esferas, que anteriormente estavam unificadas sobre a influência da religião, começam a perder sua força diante do poderoso ceticismo da época, e assim se dividem em áreas especificas, desvinculando-se das concepções sobrenaturais. O mundo, então, deixa de ser encantado e torna-se real, desencantado. A realidade agora já não pode ser compreendida e explicada por representações fantasiosas, pois o que está além do homem, não significa que não possa ser alcançado, simplesmente significa que ainda não foi descoberto. Assim se construiu o pensamento do homem moderno.

 Max weber confere um papel importante para religião protestante na estruturação histórica do sistema capitalista. Pois é justamente por esse desencantamento do mundo, por esse afastamento dos valores cristãos-católicos que dogmatizavam a alma isolando-a do corpo, promovido pela reforma protestante, que surge uma maior aproximação do homem com a matéria. Essa aproximação foi possível, pois houve uma suavização da temeridade sociocultural diante do castigo eterno. A ética protestante torna-se desencantada, e se fundi ao racionalismo capital.  O sentimento de culpa, antes dado pela inquisição, já não podia afetar o homem moderno, pois houve uma reconfiguração em seus valores, ou na termologia de Nietzsche, uma “transvalorização dos valores”. Assim o período compreendido como idade moderna, marca uma das grandes transformações na história da humanidade, possível graças a ética protestante.
Mas será que, realmente, estas justificativas histórico-sociológicas que weber atribuiu ao protestantismo não são uma maneira de camuflar a verdade, e até mesmo propor um merecimento histórico evolutivo ao mesmo? Bem, weber é considerado o fundador da filosofia social, embora tenha uma enorme contribuição para formação da sociologia ao lado de: Karl Marx, August Comte, Emile Durkheim... A filosofia social busca descrever os fatos a procura de certa compreensão. Como Weber, diferente de Marx, tinha uma postura política direitista, possivelmente esta o influenciou em sua analise dos fatos. Sendo assim, weber elitiza, e sua analise da sociedade e da história fica sobre o enfoque ético da burguesia. Porém não entremos neste assunto. E antes de respondermos a primeira pergunta, conheçamos outra visão a respeito da reforma protestante, e sua relação com esse tal “desencantamento do mundo”.               
  Friedrich Nietzsche, ao contrário de weber, atribui ao protestantismo um possível malogro histórico. Para o filosofo, Lutero, seguindo objetivos pessoais, salvou o cristianismo de seu possível declínio. A igreja católica dos tempos de pré-reforma já se encontrava fragmentada, mergulhada em seus próprios problemas sociais. “Morta”, como dizia Nietzsche. E foi Lutero, quem a salvou de seu fim eminente, ressuscitando-a, e modificando somente o nome.  Num período onde o iluminismo já começava a influenciar o corpus filosófico e o renascimento o corpus artístico, Lutero chega com uma nova proposta: uma nova igreja cristã, moldada a sua própria imagem e semelhança, cujo protesto era somente uma forma salvar o cristianismo, mesmo com algumas ressalvas.
Relacionando a compreensão de Nietzsche com o desencantamento do mundo weberiano, podemos supor que a reforma de Lutero apenas acentuou o encantamento, já que o cristianismo e seus valores mágicos subsistem até os dias de hoje.
Conhecendo o conceito de “desencantamento do mundo” e suas relações, podemos agora, tentar responder a questão do primeiro paragrafo:
 A crença no progresso, na positividade histórica, apenas conserva o encanto utópico, tais como as diversas crenças culturais que carecem de questionamento. Realmente, houve e ainda há desencantamentos na história da humanidade. Podemos antecipar conceitualmente a frase de Marx, “a luta entre classes é o motor da história”, dizendo: “o desencantamento do mundo promove as lutas entre classes”. Destes desencantamentos históricos é que são oriundas as revoluções culturais.   A busca do homem pela verdade, sempre o leva ao desencantamento, pois este sempre se deixou seduzir pelo encantamento, pela magia. Porém não podemos dizer que estes desencantamentos sejam progressivos, afirmar isso seria remontar o utópico pensamento de Hegel. Sim, o homem cometeu um equivoco ao acreditar nesse discurso positivista de que a humanidade sempre caminha em direção ao progresso. A própria ideia de evolução, tão distorcidas por nossos Darwinistas sociais, já não pode representar senão uma “adaptação” ao contexto.  Como pode a humanidade caminhar em direção ao progresso, se ainda, em seu âmago, ela carrega o fardo de infantis representações, de encantos históricos eternizados pela cultura?
 Atualmente, nos homens e em nossa sociedade, encontramos vestígios deste “encanto”, ora nos arcaicos sistemas religiosos, ora nas várias superstições cotidianas transmitidas pela cultura. A crença no anímico, no mágico, no sobrenatural continua encantando a vida de bilhões de pessoa. É que Sigmund Freud chamou de principio de prazer. Porém este prazer é somente uma ilusória representação, pois não tem sua comprovação na realidade. E o que é pior: as referidas esferas de weber (ciência, arte e ética), ainda hoje tem dificuldade em se diferenciar da tradição religiosa.  
Com a globalização, temos a impressão de estarmos evoluindo em todas as áreas da existência. Temos a impressão de estarmos vivendo juntos e unidos numa grandiosa aldeia global. Mas isso é somente uma impressão vaga e ilusoriamente alienatória. Vemos nos chamados “sites de relacionamento” a virtualização encantada das relações sociais, que pela proximidade virtual afasta o individuo das relações afetivas pessoais. Se o contato de segundo grau, descrito pela sociologia, são impessoais, ao menos ocorrem na presença de pessoas reais.  É possível perceber nos diversos meios de comunicação, as mais bizarras e chulas representações, que exaltam os impulsos mais regredidos do homem. A globalização alimenta a disseminação de estereótipos, que contaminam e desestruturam nossos jovens, lhes prometendo uma identidade passageira e superficial, lhes roubando a autenticidade.  Hoje é possível ver na chamada “cultura pop”, no desabrochar de uma arte totalmente desprovida de conteúdo e inteligibilidade, um mundo cada vez mais encantado, um mundo que se esqueceu de seus problemas mais emergentes, tais como a pobreza e a miséria. É possível ver na “tendência single”, a fragmentação de uma sociedade que se encanta cada vez mais pelo capitalismo globalizante. Nunca o fenômeno da “idolatria” foi tão difundido, quanto nos dias de hoje. As marcas e slogam se tornaram arquétipos, cada qual com seu significado comercial, que encanta o sujeito e alimenta as desigualdades sociais. O capitalismo se torna a grande religião, e a oferta e procura sua bíblia. Os ídolos se tornam seus pastores e padres e a comercialidade, o único propósito. Estes se mantêm existentes, pois não há uma postura critica por parte da sociedade, logo não há desencantamento, há somente o encanto desesperado que se justifica de forma explicitamente superficial, na lei do mais rico, do mais famoso.
  É preciso experimentar o “desencantamento total do mundo” para se conhecer integralmente a realidade, do contrario fadas e doentes se farão sempre presentes, e o que é pior: este encanto se justificará enquanto verdade, confundindo-se com seu principio artístico. É preciso conhecer o homem contemporâneo que vive este duplo equívoco, de um lado as superstições geradas pelo conservadorismo histórico e de outro, as superstições geradas pela emergente comercialidade do ser.
                O “desencantamento total do mundo” não pretende ser somente uma utopia, porém possivelmente não será alcançado pela massa cultural. Mas pode ser alcançado por aqueles que querem se tornar cada vez mais conscientes de si mesmos, e do mundo no qual circundam. Na verdade, ele é um exercício obtido pela critica e pelo compromisso ético com a verdade. Somente aqueles que estão dispostos a sofrer para descobrir a realidade, podem realmente compreender o significado de "desencantamento total do mundo", que é sinônimo de consciência, sinônimo de liberdade, responsabilidade e realidade, sinônimo da constante busca do homem por significados autênticos.  
Referencias bibliográficas

Weber, Max. A ética protestante e o espirito do capitalismo, editora Martin Claret.

Nietzsche, Friedrich. O crepúsculo dos ídolos, editora escala.

Marx, Karl. O manifesto comunista, editora Martim Claret.